“Não existe no mundo fúria igual à de uma mulher traída” – esta frase popular, reproduzida na capa de “A Mulher do Médico” (Singular, 2024), deixa bem claro, logo à partida, que o cerne da intriga é a vingança de uma mulher atraiçoada. Nas mãos de um autor menos hábil, o livro poderia não passar de uma história banal de faca e alguidar, mas Daniel Hurst, tendo já experiência considerável na escrita de thrillers, consegue desenvolver a premissa de uma maneira que nos proporciona umas boas horas de entretenimento.
O médico em causa é o Dr. Drew Devlin, que se orgulha bastante do seu título – embora deixe muito a desejar, não só como profissional, mas também como ser humano. Esta figura propõe um dia a Fern – a mulher que abandonou um emprego desmotivante para ser sua esposa a tempo inteiro – que troquem o bulício de Manchester, onde residem, por uma pequena aldeia no norte de Inglaterra, junto ao mar e à fronteira com a Escócia. Em defesa da ideia, invoca supostas melhorias na qualidade de vida, mas a verdade é que pretende seguir uma amante que o abandonou, com a intenção de reatar o caso extraconjugal. A causadora dessa paixão, sendo também casada, deseja preservar a relação com o marido, enquanto Drew só evita divorciar-se de Fern porque receia, mais do que a crítica social, a revelação vingativa de segredos que outrora lhe confessou e que poderiam comprometer-lhe a carreira.
Acontece, todavia, que Fern está a par da infidelidade do marido, embora lhe oculte esse conhecimento. Apesar de ser adepta da vida citadina, aceita a mudança, disposta a dar uma oportunidade de redenção ao homem que ainda ama, mas depressa perde as ilusões e decide retaliar.

A narrativa é construída com base na alternância dos pontos de vista de Fern e Drew, tornando-se divertida pela oposição entre a crença dele na sua superioridade intelectual e a realidade. Drew é uma personagem tão irritantemente arrogante e segura da sua capacidade de manipular os outros, que é um prazer ver como a esposa que ele toma por parva sabe mais do que aparenta e põe em prática o seu plano maquiavélico. Igualmente divertido é o contraste entre o papel que ela representa e os ocasionais pensamentos irónicos em reacção às mentiras que ele tenta impingir-lhe. No final há uma sugestão de sequela, mas o livro vale por si próprio.
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