A haver Óscares para livros com muito cinema pelo meio, “Domingos no Cinema” (Porto Editora, 2024) teria levado para casa a estatueta de Melhor Argumento. Assinado por Anthony Marra, autor do obrigatório “O Czar do Amor e do Tecno”, este é um romance que viaja de Itália aos Estados Unidos, situando-se numa década – a de 1940 – dada aos fascismos europeus e a perseguições e crueldades várias na América, sendo Hollywood um território habitado pela intolerância.
A protagonista dá pelo nome de Maria Lagana, nascida em Roma, que quinze anos atrás na linha temporal havia viajado para os Estados Unidos, deixando para trás um passado turbulento. Foi em Roma que cultivou o seu amor pelo cinema, com os domingos a tornarem-se cinéfilos na companhia do seu pai, que com o fascismo se viu conduzido à prisão e ao desterro na Calábria, um acontecimento que ficará a pesar para sempre na consciência da filha.
Nos tempos correntes, Maria Lagana é produtora na Mercury Pictures, dirigida pelo caricatural Artie Feldman, alguém descrente do envelhecimento suave e dono de uma larga colecção de chinós, que para Matia pareciam tratar-se de um único original com várias réplicas. “Aos cinquenta e três anos, mantinha o estilo de exercício que fizera dele um pugilista semi-profissional promissor, até uma lesão no pulso o ter forçado a entrar no único outro negócio que recompensava o seu tipo de agressividade controlada”.
A Mercury Pictures acaba por se tornar um barómetro da guerra, um medidor dos fascismos, acolhendo vagas de imigrantes que chegam em fuga da Europa. Um deles é Nino, que chega à América para encontrar Maria Legana com uma missão ingrata, e que acabará por participar também ele na ascensão, queda e quase triunfo de uma produtora acossada e perseguida.
Pelo meio, e à semelhança de “O Czar do Amor e do Tecno”, a História é-nos apresentada como um simulacro, sujeita à manipulação dos mais fortes, dada a encenações consoante o ângulo escolhido para a olhar. “Tendo crescido num estúdio de fotografia, há muito que Nino sabe que não há instrumento mais poderoso para o logro do que aquele que reclama objectividade. A câmara orienta a História ao longo da ponte. Os membros do partido acotovelam-se para ficar no enquadramento da imagem. Mais do que testemunha ou participante, a câmara age como coreógrafa. A objectiva absorve a luz, mas também, emite a sua própria radiância. (…) A câmara gira aparatosamente sobre a encenação da História”. Um dos grandes romances de 2024 publicados em Portugal, que confirma Anthony Marra como um dos grandes romancistas americanos da actualidade.
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