A Devir continua o seu percurso de publicação de mangá em Portugal. Desta vez, a escolha mais recente da editora recaiu sobre “Kenshin – o Samurai Errante” (Devir, 2015), uma história nada desconhecida em Portugal, graças à série animada que passou nas nossas televisões, com o título de “Samurai X”. Estávamos na segunda metade dos anos 90, altura em que os estudantes (até universitários) faltavam às aulas para assistir a mais um episódio de “Dragon Ball Z”. A história de Son Goku sempre foi a mais popular, é certo, mas, para muitos, “Samurai X” não passou despercebida, continuando a ser ainda hoje uma das mais acarinhadas do género – e uma das melhores também.
Entre 1853 e 1867 o Japão sofreu um período de revolução, apelidado de Bakumatsu, no qual o regime do Xogunato Tokugawa foi destronado pelo grupo pró-imperialista, os Ishin shishi. Durante estes anos, um homem foi mais temido do que outros, pelas suas qualidades de espadachim. Este famoso assassino dos Ishin shishi, conhecido pelo seu cabelo ruivo e cicatriz em forma de cruz, rapidamente conquistou a fama de uma lenda, sendo conhecido em todo o Japão pelo título de Battōsai, o Dilacerador (Hitokiri Battōsai no original). Após o fim da revolução, o Battōsai desapareceu sem deixar rasto, para nunca mais ser visto ou ouvido… até agora.
Nobuhiro Watsuki aproveita assim a história real do Japão para, no meio de uma revolução, criar uma lenda em torno deste homem fictício, este Battōsai que, após uma vida de assassino, se tornou um samurai errante viajando pelo país em busca de ajudar os outros. Este homem abandonou há muito a alcunha de Battōsai, preferindo ser chamado Himura Kenshin.
As aventuras deste samurai errante decorrem no 11º ano da nova era Meiji, mais especificamente em 1878. Não deixa de ser irónico que logo na primeira história Kenshin ponha em pausa a sua missão de errante, ao decidir ficar perto de Kamiya Kaoru, uma jovem rapariga que acaba por ajudar. Após a perda do seu pai, Kaoru esforçou-se por manter a sua escola de esgrima viva, continuando a ensinar o estilo Kamiya Katsushin, o qual tem por objectivo enaltecer o ser humano e não torná-lo num assassino. Infelizmente, um homem que utiliza a alcunha de Battōsai acaba por assustar todos os seus alunos, ameaçando a fama da escola e a própria Kaoru, algo que Kenshin não pode permitir.
Neste primeiro volume, cada capítulo – excepto o último – corresponde a uma história contida, sem desenvolvimentos maiores. Watsuki vai aproveitando cada capítulo para nos ir apresentando a este universo e para ir introduzindo os seus protagonistas. Depois de Kaoru é a vez de conhecermos o jovem órfão Myōjin Yahiko e, posteriormente, o lutador de rua, Sagara Sanosuke. Todas estas personagens encontram-se em momentos frágeis da sua vida, sendo fácil perceber o fascínio que rapidamente nutrem por Kenshin, cuja filosofia de vida lhes arrebata o coração. Ainda estamos longes das grandes batalhas de Kenshin, mas o autor compreende a importância de ir mostrando as suas habilidades ao longo do tempo. Não é por acaso que, neste primeiro volume, Kenshin derrota todos os seus adversários com apenas um golpe – excepto Sanosuke, uma personagem que chama a atenção mais pela sua resistência hercúlea do que pela força da sua técnica. Tudo isto serve para dar ênfase às qualidades de espadachim de Kenshin, que aqui acabam por brilhar na sua pouca utilização.
Mas como pode Kenshin defender a paz se utiliza uma arma? É aqui que o autor volta a render-nos a esta personagem. Kenshin luta com uma espada de gume invertido – a Sakabatou -, uma arma que lhe permite usar as suas técnicas de espadachim para proteger e nunca mais matar. É uma arma que personifica toda a filosofia do seu utilizador.
Esta trata-se da primeira BD de Watsuki, o que não passa despercebido neste primeiro volume, o qual ainda se arrisca pouco na narrativa, sendo pautado por capítulos simples e pouco desenvolvidos. Com o tempo o autor irá crescer, ganhando mais ferramentas para trabalhar estas aventuras, acabando por criar uma série verdadeiramente memorável. Mesmo que este “Kenshin, O Samurai Errante” ainda esteja um pouco longe do que o autor será capaz, já tem uma das qualidades mais fortes desta história: o seu coração. A bondade e carinho de Kenshin pelo mund, são sentimentos que passam muito bem para o leitor e, só por isso, esta série já é uma obrigatória.
A nível de desenho, além do rigor e planeamento dinâmico, o autor destaca-se pela preocupação em transmitir emoções através do olhar das personagens, o qual brilha em vários momentos da história. As personagens são todas bem distintas, demonstrando muita atenção e cuidado na sua criação – é fácil criar empatia por estes desenhos. Sobre a construção das mesmas, o autor deixa umas palavras, no final de cada capítulo. No último capítulo, como extra, temos a primeira história publicada por Watsuki sobre Kenshin, a qual não faria parte da série oficial, uma vez que o autor optou por fazer algumas alterações.
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