A dado momento da leitura de “In Memoriam” (Casa das Letras, 2024), o leitor poderá ser levado a acreditar estar numa história com as vibrações de um “Brokeback Mountain”, onde no lugar de cowboys se encontram soldados. Pura ilusão. A verdade é que Alice Winn transforma esta história de amor proibido num épico sobre a guerra, e todas as mazelas que permanecem e deflagram mesmo quando todas as armas já se calaram.
O ano é 1914 e, para os adolescentes Henry Gaunt, Sidney Ellwood e restantes alunos do Preshunt – um idílico colégio interno no campo inglês -, a guerra é ainda algo distante. Em silêncio, Gaunt debate-se com a paixão ardente por Ellwood, o seu melhor amigo, um tipo sonhador, dado à poesia e um êxito entre as mulheres. Duas almas distintas, unidas por silêncios não incómodos e linhas de comunicação invisíveis. “A Inglaterra de Ellwood realmente era mágica, pensou Gaunt, enquanto se desviava de umas urtigas. Mas não era Inglaterra. Gaunt tinha ido ao East End uma vez, quando a mãe o levou com ela para entregar sopa e pão aos tecelões irlandeses. Ali, não havia críquete nem caça, nem gelados. Mas Ellwood nunca tinha tido qualquer interesse por coisas feias, ao passo que Gaunt, se calhar por causa de Maud, porque ela tinha lido Bernard Shaw e Bertrand Russell e escrevia coisas furiosas sobre as colónias nas cartas que lhe mandava, temia que talvez as coisas feias fossem demasiado importantes para ignorar”.
Alice Winn recua a um tempo em que a homossexualidade era reprimida, uma desonra para as famílias e um crime que poderia valer prisão ou trabalhos forçados – foi-o, em Inglaterra, até 1967. A homossexualidade é, porém, um tema central mas paralelo a um romance sobre a guerra, a sua desumanidade e a forma em como se tentou dar-lhe, quase em jeito de justificação, um rosto mais humano. “A Convenção de Haia quis tornar a guerra mais humana. Tínhamos chegado a um momento da nossa história em que acreditávamos que era possível fazer da guerra uma coisa humana”.
Neste épico profundo sobre a guerra que mostra uma elegância rara, Alice Winn olha também para a fealdade das trincheiras ou a imposta falta de dignidade, para o amor raro e a amizade profunda, para o resgate de um poço onde nada mais parece haver do que sombras.
Sem Comentários