O Porto/Post/Doc regressa ao Porto entre 22 e 30 de Novembro, instalando-se no Batalha Centro de Cinema, no Passos Manuel e no Planetário do Porto. As actividades do festival ocuparão ainda outros espaços da cidade, compreendendo festas e concertos, acções para a indústria do cinema, conversas e masterclasses. Haverá um olhar especial sobre a obra da realizadora Salomé Jashi, um programa temático que sonha com uma nova utopia e um Transmission tomado por boa gente como Brian Eno, Pavement, Peaches, Abba ou Lee Ranaldo. Partilhamos por aqui os comunicados de imprensa, mais informações na página oficial.
Foco na obra da realizadora Salomé Jashi
Salomé Jashi nasceu em Tbilisi, na Geórgia, em 1981. Começou por estudar jornalismo e trabalhou como repórter durante vários anos. Em 2005, recebeu uma bolsa do British Council para estudar cinema documental na Royal Holloway, Universidade de Londres. É fundadora de duas empresas de produção: Sakdoc Film e Microcosmos, ambas produzindo documentários e ficção de elevada qualidade artística. Atenta aos efeitos das alterações sociais, sorvendo um pouco a surrealidade do mundo em que vivemos, foi mapeando com o seu cinema a situação política da Geórgia. No âmbito da sua 11ª edição, o Porto/Post/Doc dedica um foco à sua obra, integrando cinco curtas e três longas metragens.
“The Dazzling Light of Sunset” [2016] recebeu o Prémio Principal na Competição Regard Neuf do Visions du Réel. “Bakhmaro” [2011] recebeu uma Menção Honrosa para um Jovem Talento Documental no DOK Leipzig, foi premiado como o Melhor Documentário da Europa Central e Oriental no Jihlava IDFF e foi nomeado para os Asia Pacific Screen Awards e Silver Eye Awards.
“Taming the Garden” [2021], a sua segunda longa-metragem, estreou na Competição Mundial do Festival de Sundance e na secção Forum da Berlinale e foi nomeado para os Prémios Europeus de Cinema. O filme foi aclamado por audiências e críticos um pouco por todo o mundo, catapultando Jashi para o palco das grandes cineastas contemporâneas. Percorre a viagem épica de árvores centenárias em ferrys pelo mar negro, numa ode ao conflito entre o ser humano e a natureza, através da história de como Bidzina Ivanishvili – um homem poderoso, com a mania das grandezas e ex-primeiro ministro – tenta dominar a natureza, transplantando estas árvores imensas para o seu jardim privado. Através desta poderosa metáfora, do desenraizamento, Jashi reflecte sobre o tema da migração forçada, sobre as falsas hierarquias humanas que ainda se tentam impor à ordem natural das coisas e sobre a Geórgia, o país frágil que tão facilmente sucumbe à tal ‘mania das grandezas’.
Programa:
A Crypto Rush Aftermath
Salomé Jashi, Geórgia, 2023, DOC, 18′
A Swim
Salomé Jashi, Geórgia, 2011, DOC, 11′
Bakhmaro
Salomé Jashi, Alemanha, Geórgia, 2011, DOC, 58′
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Speechless
Salomé Jashi, Geórgia, 2009, DOC, 12′
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Taming The Garden
Salomé Jashi, Geórgia, Alemanha, Suíça, 2016, 74′
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The Dazzling Light Of Sunset
Salomé Jashi, Geórgia, Alemanha, 2018, DOC, 4′
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Their Helicopter
Salomé Jashi, Geórgia, Reino Unido, 2006, DOC, 22′
The Tower
Salomé Jashi, Geórgia, 2021, DOC, 91′
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Programa temático “A Europa Não Existe, Eu Estive Lá”
Há cerca de 80 anos, a Europa tentou enterrar alguns de seus piores fantasmas – o autoritarismo, a intolerância totalitária e supremacista, o fascismo – e eis que, em pleno século XXI, eles têm ressurgido de forma assustadora em vários de seus países. Ao contrário dessa ascensão extremista, “A Europa Não Existe, Eu Estive Lá“, o programa temático do Porto/Post/Doc 2024, propõe escavar e trazer à superfície um contraponto a esse Velho Mundo em decadência moral e política.
Partindo do ensaio “Uma ideia da Europa”, de George Steiner, que defende que o DNA europeu se formou à volta de uma “diversidade linguística, cultural e social, um mosaico pródigo que frequentemente transforma uma distância banal, de 20 quilómetros, numa divisão entre mundos”. E, em tom de provocação, afirma que – num continente marcado pela intolerância a imigrantes e refugiados, assim como pela proliferação de regimes autocráticos de extrema-direita – esse ideal romântico deixou de existir.
Num programa de seis filmes – oriundos de diferentes países do continente, em contextos históricos diversos, desde 1928 a 2024 –, o festival propõe-se sair em busca de uma nova Europa e dos valores humanistas que permitam sonhar uma nova utopia. Mais do que uma coleção de filmes, “A Europa Não Existe, Eu Estive Lá” é, assim, um programa que pensa o cinema com uma consciência política e ética, como uma tese em defesa da multiculturalidade, capaz de contribuir para a discussão colectiva sobre a construção de uma sociedade possível a partir das diferenças.
Em “The Song of Others“, Vadim Jendreyko retraça a história do continente até às suas origens na mitologia grega, na qual a ‘Europa’ é essa mulher que dá origem a uma sociedade matriarcal. Milénios depois, entre um continente patriarcal e belicista, o filme talvez encontre a poética da Europa, ou quem sabe uma Europa poética, na figura de um ex-militar sérvio que defendeu a Bósnia no sangrento conflito dos anos 1990 e, décadas depois, conversa com o realizador alemão, em francês, sobre o amor.
O convite a ouvir “‘a canção do outro” feito por Jendreyko é levado à letra por Tony Gatlif em “Latcho Drom” (1993). No filme, o cineasta percorre o mundo em busca de comunidades de ciganos e dá voz a este que talvez seja o povo mais “outro” dentre aqueles nascidos na Europa, numa narrativa toda ela conduzida por músicas cantadas pelos seus personagens.
Em “Padre Padrone” (1977), dos irmãos Taviani, o protagonista Gavino procura uma educação que lhe sirva de saída do ciclo de miséria, exploração e violência encarnado pela figura do pai, símbolo de uma Europa rural e abandonada no passado pela perseguição implacável de um ideal urbano, progressista e industrial.
O desencanto com esse projeto de uma Europa moderna marca a viagem sem rumo de Valto e Reino em “Take Care of your Scarf, Tatiana” (1994), de Aki Kaurismaki – um road movie que começa em busca de vodka e termina num encontro com duas imigrantes, uma estoniana e uma russa, e no diálogo e no afeto possível, apesar da barreira linguística.
A Rússia retorna em “The Ascent” (1977), de Larisa Shepitko, no qual dois soldados saem à procura de comida para o seu batalhão no meio de um brutal frio soviético e se deparam com o inverno (a)moral dos horrores da Segunda Guerra, esse grande marco fundador da Europa contemporânea.
Por fim, o programa volta ao início: “A Paixão de Joana D’Arc” (1928), de Carl Dreyer, um dos principais precursores do que hoje chamamos ‘cinema’, em que um tribunal inquisidor busca impiedosamente a confissão de um pecado mas descobre, em vez disso, o mito que dará origem à França e a uma das principais democracias do velho continente.
Brian Eno, Pavement, Peaches, Abba, Lee Ranaldo toma conta do Transmission
Do Congo à Suécia, do Reino Unido à Etiópia, passando por Portugal e Estados Unidos, a selecção do programa Transmission deste ano dá uma volta ao mundo para retratar a música nos seus mais diversos contextos e usos. Seja como resultado de casamentos criativos ou como um grito de liberdade e insubmissão sexual. Como gesto político, ou como ferramenta política. Como um tesouro preservado por um coleccionador obsessivo e apaixonado, ou como o resultado da mais pura experimentação e de processos criativos únicos e imprevisíveis. Por meio de registos no palco ou no estúdio, usando materiais de arquivo raros ou entrevistas inéditas, os 10 filmes buscam contar novas histórias a partir das suas músicas.
“Soundtrack to a Cour D’ Etat” revela como o jazz e alguns de seus maiores nomes foram usados como instrumentos políticos durante a Guerra Fria, iluminando as maquinações políticas por trás do assassinato do líder congolês Patrice Lumumba. Fazendo uso de uma montagem ágil que cruza relatos de testemunhas, memorandos oficiais do governo, depoimentos de mercenários e agentes da CIA, discursos do próprio Lumumba e um verdadeiro cânone de ícones do jazz, a longa metragem reflete sobre a pesada herança da história colonial.
Ainda no continente africano, a música etíope está no centro de “Ethiopiques Magnetic Suite“. O documentário reconstitui a história de Francis Falceto, produtor, musicólogo e coleccionador francês, cujo trabalho de preservação permitiu que uma série de gravações, artistas e músicas da Etiópia fossem difundidos e apresentados ao resto do mundo.
Pelos espaços da pop, duas sugestões. Em “Abba: Agains the Odds” misturam-se imagens de arquivo, novas e velhas entrevistas com o quarteto sueco, para visitar a ascensão de um dos maiores fenómenos da música pop do século XX.
Centrado na digressão de aniversário do seu segundo álbum, “Teaches of Peaches” revisita os bastidores do início da carreira da produtora, realizadora e artista performática queer feminista Peaches, ao mesmo tempo em que reflecte sobre a marca indelével que a mesma deixou na cultura popular.
O espírito electrónico, underground, fora da lei e do it yourself faz-se presente também em “Free Party: A Folk History“. O documentário do inglês Aaron Trinder conta a história de colectivos como o Spiral Tribe, Circus Warp, DIY Soundsystem, Bedlam, responsáveis pela organização de raves gratuitas e clandestinas que desafiaram a polícia, a repressão e o moralismo do governo britânico.
Ainda na década de 90, os Pavement – um dos pilares do rock alternativo dos EUA – têm a sua trajectória multiplamente reconstituída em “Pavements“. Realizado pelo cineasta indie Alex Ross Perry, o filme é um desafio à estrutura normal do documentário musical, propondo um mosaico de performances ao vivo, videoclipes, entrevistas, filmagens dos ensaios para o musical da Broadway ‘Slanted! Enchanted!’ (escrito a partir de canções do grupo) e cenas de uma pretensa longa de ficção onde a banda de Stephen Malkmus é interpretada por ídolos teen.
Em território nacional, “Sur La Stre Nuro – Uncharted Soundscapes: Dialogues on Sound Experimentalism in Portugal“, um documentário que visita a cena experimental portuguesa contemporânea, através de conversas com alguns dos seus mais significativos representantes, de Jonathan Uliel Saldanha a Von Calhau!, de Rafael Toral a Joana Sá.
Fora de competição, o Transmission apresenta os processos criativos de duas figuras incontornáveis da música. Em “Eno“, o espectador vai poder ver uma das versões possíveis do documentário generativo sobre o músico, produtor, compositor, artista visual e teórico Brian Eno.
Em “Hello Hello Hello: Lee Ranaldo, Electric Trim” o vocalista e guitarrista do Sonic Youth Lee Ranaldo revela os bastidores da gravação do seu álbum a solo, “Electric Trim”. O realizador e o músico marcarão presença no Porto para a apresentação do filme. A programação de sessões especiais do Transmission 2024 integrará ainda com o cine-concerto “Ressaca Bailada“, do grupo Expresso Transatlântico.
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