“O mundo é assim. Os Vermelhos servem, os Vermelhos trabalham, os Vermelhos combatem. É nisso que são bons. É para isso que se destinam. – Tenho de morder a língua para me impedir de lhe gritar. – Nem todos são especiais.”
Se há um elemento que torna todos os homens iguais é o sangue. Ao ser derramado, a sua cor propaga a igualdade: não importa a cor da pele, a riqueza ou a orientação sexual, é sempre vermelho. Mas no universo de “Rainha Vermelha” (Saída de Emergência, 2015), é precisamente a diferença na cor do sangue que separa duas classes distintas na sociedade: os vermelhos, sem aptidões mágicas e considerados como os mais fracos e plebeus; e os prateados, seres privilegiados, com magia a correr-lhes nas veias. Por serem considerados os mais baixos na hierarquia, a um jovem Vermelho está destinado o recrutamento para a guerra e, provavelmente, a morte certa. A um Prateado espera-se poder e ambição, talvez um casamento de sucesso planeado desde tenra idade.
A esperança estava perdida até aparecer Mare Barrow, uma jovem Vermelha que se dedica aos pequenos roubos na sua aldeia para sobreviver, que descobre aptidões mágicas a correrem no seu sangue. Ao prever um conflito de interesses políticos, o Rei Prateado reinventa o seu passado e destina-a ao seu segundo filho, Maven. As peças de um tremendo jogo político, atormentado por uma revolução intitulada de Guarda Escarlate, são colocadas em jogo e Mare descobre, aos poucos, o verdadeiro significado da frase que aparece constantemente no romance de Victoria Aveyard: “Toda a gente pode trair toda a gente.”
São muitas as obras de ficção, com universos de fantasias e lutas pelo poder, que conseguiram ver a luz do dia e são, actualmente, idolatradas por milhares de pessoas: a saga Harry Potter, de J. K. Rowling, a trilogia The Hunger Games, que esta semana caminha para o fim – por ser o último filme nas salas de cinema portuguesas – ou a série bem-sucedida Game of Thrones, de George R.R. Martin (também publicada pela Saída de Emergência). O universo criado por Victoria Aveyard, planeado para ser uma trilogia, é definitivamente uma nova série para os admiradores do universo de fantasia estarem atentos.
Em “Rainha Vermelha”, o universo tem um aspecto simultaneamente medieval e tecnológico. Se o ambiente de arenas – com descrições de combates entre Prateados logo no primeiro capítulo – e de castelos faz transparecer um ambiente de antiguidade, noutros momentos aparecem máquinas tecnológicas que oferecem uma visão alternativa ao leitor. Não faltam, por exemplo, câmaras a vigiarem os passos de Mare em território prateado. Uma mistura que aguça, desde o início, a curiosidade ao leitor para virar as páginas.
A sede pelo poder, um tema recorrente nos três universos anteriormente referidos, é também um factor essencial ao longo do livro de Victoria Aveyard: é através da nova princesa Mare, criada como Vermelha e alegadamente descoberta como Prateada, que os elementos da corte – em especial a ambiciosa e cruel Rainha Elara – e a realeza pretendem mostrar aos rebeldes quem comanda. Trata-se de um tema recorrente em muitas obras do mesmo género e, ainda assim, uma boa estratégia de entretenimento: não fossem as fraquezas do ser humano tão capazes de prender um leitor.
A “Rainha Vermelha” é uma obra sobre o receio do desconhecimento. Num mundo em que as regras estão bem estabelecidas, com uma estrutura cruel com os mais fracos, mudanças não são bem-vindas. Se uma nova aptidão é descoberta num Prateado, a única ambição é juntá-lo à Prateada mais forte e, desta forma, criar uma nova geração ainda mais poderosa. Mas, apesar de a realeza tentar amedrontar os Vermelhos, há um grupo que não desiste de lutar pela liberdade: a Guarda Escarlate. São os seus elementos que dão, a cada capítulo, mais acção à narrativa da escritora e luta aos cruéis Prateados.
Ao contrário de algumas heroínas criadas dentro do mesmo género literário, Mare Barrow é uma protagonista forte, das poucas realmente humanizadas: é palpável o sofrimento, numa primeira instância, por sobreviver como uma Vermelha numa pobre aldeia e como uma falsa princesa Prateada. Porém, para além dos momentos mais negros, há também uma jovem cheia de acção e de energia, capaz de lutar pelos seus ideais. Mas como nem tudo é perfeito, as suas relações ficam a desejar: afinal quem é o dono do seu coração? Cal, Maven, Kilorn? Uma questão que poderá ser respondida nos próximos livros.
“Rainha Vermelha” tem uma boa dose de acção e mistério, colocadas num fatal jogo político. Para os Prateados interessa manter a tradição e os Vermelhos anseiam pela mudança. O rosto pela mudança é Mare Barrow. Resta saber se conseguirá sobreviver ou não. Com os ingredientes certos, não falta enredo para tornar o universo de Victoria Aveyard num novo sucesso cinematográfico.
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