Por volta de 1906, três anos de levar para casa o Prémio Nobel – fazendo dela a primeira mulher a consegui-lo -, Selma Lagerlöf publicava “A Maravilhosa Viagem de Nils Holgersson Através da Suécia” (ler crítica). Uma encomenda feita a Lagerlöf para as escolas da Suécia, com o nobre propósito de ensinar às crianças a geografia do seu país – e que acabou por resultar numa fábula de dimensões épicas sobre redenção e encontrar o bom caminho.
Antes disso chegava às livrarias “O Tesouro” (Cavalo de Ferro, 2023 – reedição), um pequeno livro – é quase um conto extendido – que nos transporta até à pequena cidade costeira de Marstrand, lugar onde a natureza parece ter-se rebelado. O mar congelou e os barcos e navios deixaram de ter passagem, havendo apenas gelo espesso e rijo no horizonte. Num dos barcos que aguarda por melhores dias estão três mercenários escoceses, todos apresentados como se tivessem recebido um título das mãos da rainha: Sir Filip, Sir Reginald e Sir Archie, este último mais dado à elegância e que tentará levar na cantiga Elsalill, uma pobre órfã que foi a única sobrevivente de um assassinato que matou todos aqueles que viviam no presbitério de Solberga, incluindo a sua pequena irmã adoptiva.
Com laivos de fantástico, abundam os maus presságios, um fantasma que clama por vingança ou a procura de uma relação tranquila com os mortos. O começo é prometedor, mas aos poucos “O Tesouro” vai-se afundando sob o peso da religião, de um compasso moral avariado ou da ingenuidade de uma protagonista de que é difícil gostar. Talvez seja necessário suspender a descrença neste salto temporal de mais de um século, mas decididamente não é um livro que tenha envelhecido bem – é uma criatura da sua época, sem dúvida, mas a moral que o habita é de um aborrecimento de morte.
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