Quem não sonhou já com atravessar a América numa road trip? Juntar alguns amigos e percorrer a imensidão da paisagem americana, conhecendo lugares e pessoas que nos inspiram? Foi este o apelo sentido por Francisca Cortesão – a cantora dos Minta & The Brook Trout – em 2011: a ideia de partir à aventura pela Costa Oeste dos Estados Unidos, a tocar para quem a quisesse ouvir.
Esta ideia doida agradou tanto aos seus amigos Mariana Ricardo (Minta e ex-Pinhead Society), Sérgio Nascimento (Deolinda, Humanos, David Fonseca) e João Correia (TAPE JUNk e Julie & The Carjackers), que estes decidiram ir com ela. “Foi algo que decidimos fazer e inventámos. Não fomos convidados, decidimos que queríamos ir tocar naquela zona do mundo e tentámos“, disse Francisca ao DN.
Como os sonhos são muito bonitos mas sem pilim nada se faz, planearam uma série de concertos para financiar a digressão. Convocaram músicos amigos para tocar com eles, numa espécie de crowdfunding ao vivo. Adoptaram, muito a propósito, o nome de They ‘re Heading West.
Em setembro de 2011, a rota traçada cumpriu-se: fizeram mais de 2000 quilómetros, do Canadá até quase ao México, pela Costa do Pacífico. Não foi por acaso que o destino escolhido foram os States. A América sempre foi a referência maior no estilo e ambiente da música dos vários projectos em que estão envolvidos – veja-se Minta and the Brook Trout, a banda de Francisca e Mariana, que editou em 2012 o magnífico “Olympia”, carregado de influências country, alt-rock e folk, disco também ele espelho das viagens pela América profunda.
Quando voltaram resolveram prolongar os concertos em Lisboa. Desde o início de 2013 que se mudaram de armas e bagagens para o Intendente, tocando uma vez por mês na Casa Independente e mantendo um leque variado de convidados. Entretanto, fizeram nova viagem em Setembro de 2014. A meio da viagem surgiu a ideia de fazer um disco a partir desta história de sucesso.
“They’re Heading West “(Pataca Discos, 2015), o disco homónimo, foi agora editado. Gravado entre Portugal e a Califórnia, foi pensado como uma retrospectiva, em estúdio, da música tocada ao vivo com os convidados especiais em Lisboa, uma espécie de Best Of dos concertos. O álbum é fiel ao espírito que deu origem à banda, sendo composto por versões de temas próprios e de canções dos artistas convidados.
Os They’re Heading West são fiéis a um modelo musical: quatro vozes, ukelele, guitarra, baixo e uma mini bateria (para caber tudo no porta bagagens sem chatices). Arranjos folk simples e minimalistas completam a personalidade distintiva da banda. Mantém-se este modelo ao longo do disco, apesar da diversidade de canções e colaboradores.
Mesmo as músicas cantadas em português, passadas pelo filtro de americana, resultam num cocktail saboroso, que funciona melhor do que o esperado: as sonoridades folk casam de forma impecável com artistas portugueses como Peixe, Bruno Pernadas, (o ex-Ornatos) Nuno Prata ou Luísa Sobral. Ao todo são dezassete os convidados. E que convidados: encontramos aqui alguns dos mais interessantes músicos portugueses da actualidade.
Como é natural num disco tão diverso, há alguns tiros menos certeiros (“The Fox”, uma canção tradicional americana com a voz de Ana Bacalhau, torna-se algo irritante, por exemplo).
Mas o que predomina são os tiros na mouche: “Barbarella e Barba Rala”, de Samuel Úria, é uma enorme canção, e a voz de Mariana Ricardo só valoriza esta pérola. A guitarra slide de Frankie Chavez brilha a fazer das suas em “Kind of Nelson”, a faixa que abre o disco. “Vayorken”, com a rapper do Porto Capicua, é uma dose instantânea de boa onda, e a versão de “Eu Seguro”, de Samuel Úria, com Ana Moura na voz, resulta em cheio, numa espécie de fado Tex Mex único no universo. Também JP Simões contribui com “Rio-me de Janeiro”, mudando as coordenadas para o Brasil Tropicalista – “Vai para a culpa que te pariu”, canta com gosto.
Projecto pensado para quatro amigos poderem passear, os They`re Heading West são agora uma banda de pleno direito, que lança um dos discos mais curiosos da música portuguesa de 2015. É bom ir à América com eles.
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