Dizem os mais precavidos que, na presença de poeira ou num cenário de obras e pinturas, se deve usar a roupa mais velhinha que se tem por casa. Um pensamento que, a julgar pelo segundo dia do Super Bock Super Rock (SBSR), não terá passado perto da cabeça dos festivaleiros, que enfrentaram o pó do Meco como se existisse, na Herdade do Cabeço da Flauta, uma passadeira vermelha que conduzisse directamente a Cannes – ou, mais certeiramente, à cerimónia de entrega dos Grammy. Seguem-se os postais com selo de 19 de Julho, dia que começou com leite de soja e terminou com café preto sem açúcar.
“Dancem, bebam, cantem, falem uns com os outros, divirtam-se”. Palavras da britânica Mahalia, que trouxe ao Meco uma Ted Talk musical sobre as ralações amorosas, ao ritmo de um r&b tão fofinho quanto um copo de leite de soja. “Amo o amor, todas as partes, até mesmo as separações”, disse no arranque de “Plastic Parts”, que marcou o início de uma tarde de auto-ficção: “Escrevi esta com 17 anos é muito parva. É sobre uma miúda que gostava do mesmo rapaz que eu. Sou uma drama queen.” (“He`Mine); “Tive maus namorados, e esta canção é sobre um deles, um tipo merdoso.” (“Whatever Simon Says”); “Esta é uma música com trauma, depois regresso à boa onda.” (“Cheat”); “Esta é sobre o meu ex” (“ Wished I Missed My Ex”). Na despedida, deixou um conselho que poderia ser grafitado em muito boa parede: “Amem-se a vós próprios, à vossa mente e ao vosso corpo”.
Foi depois de um curto DJSet e à boleia de um vídeo com andamento motivacional – lia-se “Female Intuition is a Super Power” – que Mabe, cantora e compositora britânica-sueca com bons genes musicais – Neneh Cherry é sua mãe -, subiu ao Palco Sommersby. “Sou de um lugar chamado Londres. Há amantes de rnb por aqui?”. R&B que, no caso de Mabel, é mais maroto que fofinho, num espectáculo que aliou boas malhas a uma presença em palco imaculada – Dua Lipa style. Houve uma nova canção para “o homem que amo e que está aí algures” – num elogio ao mau comportamento – e, a fechar, uma canção “dedicada à minha mãe, à minha tia e a todas as mulheres”. Chamem-lhe intuição feminina, mas esta sereia sabe nadar.
Depois do cancelamento quase depois da hora de 21 Savage, foi Slow J a assumir o papel de protagonista, vestindo a pele de inesperado cabeça de cartaz. A fanzone compareceu, a vibe estava boa e Slow J cumpriu em grande uma missão que, para alguém que esgotou a Altice Arena dois dias a fio, não era assim tão Crusiana. Slow J recordou as várias passagens pelo SBSR, uma viagem que teve início num fim de tarde épico no Parque das Nações. Papillon, que antes ocupou com mérito a vaga aberta, fez dupla em “FAM” e não poupou nos elogios: “Eu não estaria aqui se não fosse este rapaz. Ele merece tudo neste mundo”. Num concerto onde ficaram de fora alguns hits maiores, a aposta foi quase toda em “Afro Fado”, bravo dicionário onde se descobre a nova linguagem do rap português, uma rodela triunfante que une Portugal e África ao som da mesma batida. Como se não bastasse, deixou uma das mais importantes mensagens deste SBSR: “Eu sou fillho de emigrantes. Estamos todos à procura da mesma coisa: uma terra, conforto, um sítio para crescer e criar família”.
Para aqueles que fazem do abanar de anca um momento obrigatório nas andanças festivaleiras, Black Coffee ofereceu uma hora de excelência, com malhas certeiras atrás de malhas certeiras, no comprimento de onda de um house progressivo onde há espaço para vozes e instrumentos reais. Muito bom mesmo. Que volte para um set de pelo menos três horas, estilo abatanado.
Fotos:
Catarina Almeida (Black Coffee e Mahalia)
Clarisse Verdade (Mabel e Slow J)
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Promotora: Música no Coração
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