“A Revolução Russa é o facto mais prodigioso da [Primeira] Guerra Mundial”. É com esta frase que Rosa Luxemburgo inicia o opúsculo intitulado “A Revolução Russa” (Penguin Clássicos, 2024), que escreveu em 1918, enquanto cumpria uma das várias penas de prisão a que foi condenada pelo seu activismo anti-capitalista e anti-militarista.
O envolvimento na política começou cedo: nascida em 1871, numa família de judeus progressistas do sector russo da Polónia, alistou-se em 1886 no ilegal Partido Social Revolucionário do Proletariado. Devido à perseguição policial, exilou-se na Suíça, onde se doutorou em Direito, em 1897. No ano seguinte, partiu para Berlim, para se juntar ao Partido Social-Democrata alemão, que abandonou para participar na fundação do Partido Comunista da Alemanha, em 1918. Em 1917, ocorrera na Rússia a revolução que derrubou o czar e levou ao poder o Partido Bolchevique de Lenine, e é precisamente esse evento que a autora analisa aqui, visando “a melhor preparação dos operários alemães e internacionais” para as suas próprias lutas revolucionárias.
Há, neste texto, dois aspectos especialmente interessantes: as críticas a algumas políticas do novo regime e as considerações que se revelaram premonitórias. A reforma agrária, por exemplo, é acusada de acentuar a desigualdade sócio-económica entre os camponeses. Mais duras são as palavras dirigidas às aspirações nacionais dos territórios que integravam o império russo, apoiadas por Lenine. Segundo a autora, o direito à autodeterminação das nações “não passa de palavreado vazio e um disparate pequeno-burguês”. No caso concreto da Ucrânia, tratar-se-ia de “um simples capricho”, uma “farsa ridícula, armada por uns quantos professores e estudantes universitários“. Tal aversão por aquilo que classifica como “tendências separatistas” reside na crença de que as divisões nacionalistas enfraquecem o proletariado, servindo assim as “ambições contra-revolucionárias” da burguesia.
Em geral, a autora é compreensiva com Lenine e seus camaradas, invocando múltiplas dificuldades na implementação dos ideais defendidos e atribuindo-lhes o mérito de terem feito avançar “a disputa entre capital e trabalho” ao nível internacional. Contudo, mostra-se ciente do risco de uma deriva totalitária, pelo que recorda a importância das eleições gerais, bem como da liberdade de imprensa, de opinião e de debate, prevendo a ascensão do despotismo e de uma burocracia opressora da vida pública se todos esses valores desaparecerem. Nas suas palavras, “liberdade apenas para os apoiantes do governo, apenas para os membros de um partido – por mais numerosos que possam ser – não é liberdade”.
Rosa Luxemburgo não teve a oportunidade de acompanhar o desenrolar dos acontecimentos no mundo soviético por muito mais tempo após a redacção deste manuscrito. Em Janeiro de 1919, antes de completar 48 anos, foi assassinada a mando dos dirigentes do Partido Social-Democrata alemão, ao qual pertencera. O texto foi publicado pela primeira vez em 1922, por um dos seus apoiantes, e sofreu vários ataques desde então, inclusivamente da parte de Lenine. Concorde-se ou não com a visão da autora, há muito material para reflexão neste pequeno livro, agora reeditado com um prefácio esclarecedor de Francisco Louçã.
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