O blues é uma tradição antiga no Estado do Texas. Gary Clark Jr. representa a face mais recente dessa tradição: o guitarrista de Austin tem sido aclamado como um dos protagonistas da vanguarda do blues. Eric Clapton, Dave Grohl e até Obama são fãs. É, contudo, um artista multifacetado, que toca em tantos pontos que seria redutor vê-lo como um mero “bluesman”.
No seu caldeirão de referências encontramos também Hard Rock, R&B, Soul clássico, Gospel, Jazz… Clark é um apaixonado pela tradição, mas não está interessado em fechar-se numa etiqueta convencional de “guitarrista de Blues”. Tem contribuído para expandir o género, ao juntar-lhe uma atitude punk, ritmos e batidas Hip-Hop e outras sonoridades contemporâneas.
“Cresci com o som dos sintetizadores, e de música estranha, espacial – Hip-hop, R&B, música moderna que ouvia na rádio”, diz em entrevista à Guitar World. “Se eu não deixasse sair tudo isso, e me apegasse a um determinado formato, sentiria que estava a perder qualquer coisa.”
Esta versatilidade é um dom, mas também pode ser uma maldição: o primeiro álbum de originais, “Blak and Blue” (2012), via Clark a disparar em todas as direcções musicais. Parecia uma compilação, com uma abordagem diferente em cada faixa. Apesar dessa falta de coesão, o disco continha uma dose generosa de riffs incendiários, garra e paixão, e fazia adivinhar um grande potencial.
“The Story of Sonny Boy Slim” (Warner, 2015), o novo álbum de originais (Warner, 2015), concentra-se mais na voz única de Clark e menos nas guitarradas pirotécnicas. Produzido pelo próprio, está longe de ser um álbum tradicional de blues: a guitarra é um ingrediente importante da fórmula, mas não é o principal. O que salta à vista é a profusão de melodias vocais inspiradas nos anos 70, fortemente influenciadas por ícones da Soul como Curtis Harding e Marvin Gaye.
“Hold On” é um exemplo dessa ligação: Clark canta sobre as dores da comunidade negra americana, sobre um clássico de fundo Soul.
“The Healing” e “Grinder” chegam-se mais às guitarras, e reflectem o calor das grandes actuações ao vivo de Clark – em palco é um gigante, onde está como peixe na água. O feedback e a distorção roubadas a Jimmy Hendrix marcam aqui presença, e o resultado não está longe do que tem feito Dan Auerbach nos Black Keys.
O trabalho de guitarra ao longo de todo o disco é mais focado em texturas ricas do que em solos tipo olha-para-mim-tão-virtuoso. “Stay” parece uma criação de Ben Harper, com a voz de Gary Clark muito próxima da do cantor californiano. Já “Shake” é a faixa mais old school do álbum, um blues tradicional em alta rotação.
A faixa que encerra o disco, “Down to Ride”, introduz inesperadamente um sintetizador e uma batida que parecem saídas de um álbum dos Blood Orange de Dev Hynes. O disco acaba em formato chill out, na direcção do pôr-do-sol.
A maior vitória de Clark é conseguir unir todas estas influências numa mistura focada, o que revela um artista mais maduro do que os incontáveis “guitar heros” presos à matriz original do género. Não é fácil referenciar tão fortemente o passado sem se ficar atolado no pântano retro, e “The Story of Sonny Boy Slim” consegue esse feito de abrir algumas avenidas para o futuro.
Já a maior fraqueza do cantor é mesmo na escrita de canções – como músico e performer é sem dúvida um prodígio, mas as suas composições revelam alguma fragilidade. As faixas ficam quase sempre a uma curta distância de levantar vôo, e o seu magnetismo em palco não passa facilmente para o estúdio. Apesar de ser um passo em frente em relação ao anterior “Blak and Blue”, fica a sensação de que ainda não foi desta que Gary Clark Jr. acertou em cheio num disco clássico.
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