É daquelas coisas difíceis de explicar. Nascido nos Estados Unidos da América a 22 de Dezembro de 1956, Percival Everett – membro da Academia Americana de Artes e Ciências e professor na Universidade do Sul da Califórnia – vai com mais de trinta obras publicadas, entre as quais “Telephone”, finalista do Prémio Pulitzer em 2021, ou “Erasure”, que levou para casa o Hurston/Wright Legacy Award, o Ivan Sandrof Lifetime Achievement Award pelo National Book Critics Circle, o Prémio Dos Passos, o Prémio PEN Center USA for Fiction e o PEN/Jean Stein). Em Portugal, o estranho vazio editorial persistiu até final de 2023, altura em que a Livros do Brasil juntou, à colecção Contemporânea, “As Árvores” (Livros do Brasil, 2023) – finalista do Booker 2022 e Prémio Literário de Dublin 2023 -, um livro sublime publicado originalmente em 2021.
O arranque faz-se ao estilo do Fargo dos irmãos Cohen, só que aqui o humor vai directo ao osso, sem grande espaço para rebuscados subterfúgios ou finas ironias. Estamos em Money, uma desterrada cidade no Mississípi, assolada por uma série de homicídios macabros. Perante a incapacidade do xerife e seus ajudantes de darem conta do recado, dois detectives estaduais são enviados para ajudar na investigação. Dois detectives negros, numa cidade que diz ser – e age como – orgulhosamente branca.
A este cenário policial, Percival Everett junta-lhe uma dose extra de terror e um elemento fantástico: junto de cada morto há sempre um segundo corpo, cara chapada de Emmet Till, um rapaz negro linchado naquela cidade há 65 anos atrás, e que parece ter o poder de escapar sempre do local do crime – até mesmo das arcas congeladoras onde o tentam conter. O mais estranho é que este cenário começa a ser replicado no país inteiro, podendo a resposta residir no imenso arquivo de Granny C, uma centenária que conduz um buggy eternamente emprestado e que guarda no peito um remorso que a corrói: “a mentira que eu contei há muitos anos atrás sobre aquele rapazinho preto”.
Num livro que se lê com voracidade, Percival Everett vai do humor destravado à reflexão profunda, num romance sobre medo, desporto, vingança e ódio, que é também um olhar letal sobre o racismo estrutural entranhado nos Estados Unidos (e mais além). E tudo através do absurdo, da comédia e do terror, deixando um grito de alerta por entre um prenúncio de revolução: “Levantai-vos. Levantai-vos”. Se querem um dos grandes, “As Árvores” é o livro de que andam à procura.
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