Com a queda do Império Romano do Ocidente, a Europa mergulhou em séculos tumultuosos, o que se reflectiu no conjunto da literatura produzida até então. Violet Moller, historiadora formada pela Universidade de Edimburgo, conta-nos que “no fim do século V, um homem chamado Estobeu compilou uma enorme antologia de 1430 citações de poesia e prosa”, mas hoje apenas temos acesso a 315 delas, uma vez que o resto se perdeu. Ainda que a Ciência tenha encontrado melhor sorte, obras importantes “escorregaram para as fendas do tempo”, incluindo o tratado sobre a teoria heliocêntrica de Aristarco, que poderia ter mudado drasticamente o curso da astronomia.
Interessada no preenchimento daquilo que, no ensino da história das ideias, parece ser um hiato entre a Antiguidade greco-romana e o Renascimento europeu, Moller dedicou-se ao estudo e à divulgação do percurso de ideias científicas entre os anos 500 e 1500, daí resultando “O Mapa do Conhecimento” (Clube do Autor, 2024), o seu primeiro livro de história narrativa, distinguido pela Royal Society for Literature com o prémio RSL Jerwood de Não Ficção.
Perante a complexidade do tema, a obra concentra-se em três textos específicos de matemática, astronomia e medicina, escritos respectivamente por Euclides, Ptolomeu e Galeno, figuras notáveis nas suas áreas, “pioneiros na prática da ciência baseada na observação, na experimentação, na precisão, no rigor intelectual e na comunicação clara – pedras angulares daquilo a que actualmente se chama «método científico»”. Destaca-se, a titulo de exemplo, que “Elementos” de Euclides foi considerado “o maior manual de todos os tempos” de matemática, ao ponto de ainda ser utilizado em escolas britânicas na década de 1960.
A descrição da jornada extraordinária dos manuscritos centra-se em sete cidades – cada uma com o seu capítulo –, nas quais eles puderam ser estudados, copiados e traduzidos, graças a épocas em que vigorou “uma atmosfera de tolerância e inclusão para com diferentes nacionalidades e religiões”. Partimos de Alexandria, onde os três homens cujas ideias acompanhamos viveram e estudaram, aprendendo como as políticas culturais e científicas do faraó Ptolomeu I e seus primeiros descendentes fizeram dela “a capital do mundo intelectual durante mais de um milénio”, e lamentando o fim da sua Grande Biblioteca, exemplo da tragédia que o fanatismo religioso representa para o conhecimento. Daí, passamos por Bagdad, Córdova, Toledo, Salerno e Palermo, apreciando como os intelectuais de língua árabe foram decisivos para a preservação da “chama da ciência grega” durante a Idade Média. A odisseia termina em Veneza, quando já existiam edições impressas destas obras, num capítulo onde não pode deixar de nos aborrecer ver a inovação de um tipógrafo classificada como “ingenuidade”, quando “engenho” seria a tradução correcta do termo inglês “ingenuity”.
Vibrante e bem ilustrada, a narrativa de Moller não é apenas o rastreio da viagem de manuscritos que sobreviveram a adversidades, mas também uma história de cidades que foram encruzilhadas de povos, religiões e línguas, das suas ligações ao resto do mundo, das gentes que as habitaram e de eruditos peculiares, ávidos de conhecimento, cuja importância na formação da nossa herança cultural nunca poderá ser sobrestimada.
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