“Despenteando Parágrafos” (Quetzal, 2015). Se o título seduz, o conteúdo aprisiona-nos, comprometendo-nos com exercícios de coerência do pensamento e a clareza das mensagens que produzimos. Em visita ao discurso de personalidades do mundo literário português, o autor conduz-nos pela arte (ou a falta dela) na eloquência. Onésimo Teotónio Almeida lança-se aqui num “diálogo interventivo“, escrevendo ensaios e artigos em torno de duas ideias centrais: a preocupação com a clareza e fundamentação empírica das afirmações e um cuidado especial com a lógica da argumentação.
Em jeito de introdução o autor presenteia-nos com um exercício de humildade, assumindo que perante o seu “não entendimento de um parágrafo” procura que lho explique “quem professasse compreendê-lo“, numa busca incessante pela transparência e precisão da ideia expressa, ainda que reconheça se trate de uma prática não usual entre nós, habituados que estão (os nossos intelectuais) “apenas a monólogos, ou conversas entre amigos. Quem discorda, cala-se, e só comenta depois para os correligionários, à mesa do café ou do jantar.”
Extrai-se desta obra a convicção de que discordar é respeitar e apreciar. Numa postura de quase comoção, convida-nos à “leitura das páginas seguintes sem para-choques“, não se surpreendendo “se alguém se dispuser a pentear também” os seus parágrafos. “Pentear parágrafos” como forma de estar, num exercício de crítica deferente e reverenciadora, transparente, facilmente apreensível, exposta e, por isso, questionável.
Seguem-se um conjunto de vinte e cinco textos, produzidos e transmitidos nos finais da década de oitenta. Através de Camilo convida-nos a reflectir sobre a diferença entre a ironia e o insulto, no debate de ideias. Através de Miguel Torga exibe as enfermidades de visões deterministas, vagas, comprometedoras da liberdade de questionamento. Com Saramago viajamos até à unidade e coerência ideológica. Sem esgotarmos os registos improváveis, deixa-nos o autor o prazer de revisitar e associar o pensamento de Virgílio Ferreira, Virgínia Woolf, Sartre, Eça de Queiroz e, novamente, Camilo Castelo Branco.
Servindo-se de outros tantos escritores ou pensadores, nacionais como estrangeiros, Onésimo Teotónio Almeida enuncia e demonstra, de forma generosa e com excertos, os pecados mortais da literatura. Convida-nos a reflectir sobre a diferença entre criatividade e pretensiosismo, os riscos da “cientifização do discurso” e do discurso abstracto como defesa ou pretensiosismo cultural.
Na mesma linha confronta-nos com a falta de rigor nas afirmações, especialmente em meios académicos, publicando “para um meio pequeno onde todos se conhecem e onde o mais ou menos é bastante.” Na mesma linha, refere a grandiloquência, a ampliação da importância da forma, num registo de intolerância arrogante. Pelo meio confrange-nos demonstrando como a sede de originalidade, levada ao extremo, viola princípios éticos fundamentais ao não assumir que “somos influenciados de muitas maneiras e por muita gente“, sendo necessário assumi-lo por uma questão de verticalidade do pensamento. A ambição desmedida de produzir, em detrimento da consistência e da retórica.
Com renovada humildade afirma que “o crítico (literário) será sempre um leitor, tao falível como o autor (e com muito menos trabalho!), que exprime em público as suas impressões, mais ou menos cultas, mais ou menos informadas, mais ou menos apuradas, da leitura que fez, devendo ter em conta que não existe necessariamente o meu e o mau gosto, mas o meu e outros gostos.”
Um livro obrigatório para todos aqueles que escrevem, ainda que de forma despretensiosa e desabrida. Começa-se a leitura com uma sensação de frio no estômago (pela hermética dos títulos e agruras dos temas) e termina-se com ardor, senão mesmo dor, do confronto com a realidade na qual, inevitavelmente, nos veremos reflectidos. Uma leitura desafiante e, em certos momentos, angustiante. Um livro para quem aprecia e defende a integridade da mensagem, com “respeito pelo leitor” e “humildade ao escrevente”.
Onésimo Teotónio Almeida, doutorado em filosofia, residente nos Estados Unidos e aí professor catedrático, apresenta uma vasta produção literária composta por escrita criativa e ensaios sobre filosofia, cultura e literatura. Em género de receituário contra as maleitas que atrás se enunciaram, diríamos que o autor nos prescreve “rigor da análise, precisão da linguagem, economia de palavras, fineza do debate, abertura ao diálogo e tolerância pelos diversíssimos modos de pensar.” Tudo acompanho de “um bom purgante, ou um detergente poderoso, com um banho geral. E um dentífrico para as palavras.“
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