Escrito em 1991, “Amor & C.ª” (ler crítica) conduziu-nos através de uma deliciosa jornada amorosa, pela mão do guia Julian Barnes. O escritor britânico divertiu-se a brincar com o triângulo amoroso – e cinéfilo – desenhado a preto e branco pelo mestre François Truffaut, num livro contado a três vozes: as de Oliver e Stuart, melhores amigos, e a de Gillian, a mulher que irá dar conta da cabeça de ambos. Nesta relação tripartida, que conhecerá vários andamentos e recuos – entre casamentos, divórcios ou facadinhas nas costas -, mostram-se as várias faces do amor e toda a complicação de que são feitas as relações amorosas, sobretudo quando a amizade se mete pelo meio.
Nove anos depois, Barnes voltou a perder-se no seu Triângulo das Bermudas, regressando ao universo de Oliver, Stuart e Gillian com “Amor & Etc.” (Quetzal, 2023), onde baralha com estilo as contas da afectividade. Barnes começa, aliás, por um capítulo a três vozes, no qual este trio se diverte a colocar água na fervura brincando com a própria ideia de sequela literária: “…no marketing toda a gente sabe que a primeira história é sempre a que fica na memória”.
Após se divorciar de Gillian, que o trocou pelo seu melhor amigo, o acanhado Stuart emigrou para a América, onde voltou a casar-se, abriu um restaurante, se tornou um empresário de sucesso no mundo dos produtos biológicos (carne incluída), voltou a divorciar-se e regressou por fim a Inglaterra, onde montou uma empresa de alimentação biológica antes de um (mal) disfarçado ajuste de contas.
“Oliver continua à espera que as coisas aconteçam”, palavra de Gillian. As suas ambições enquanto escritor são mínimas e, no que toca à relação com a mulher, digamos que a lua de mel há muito que finou. É novamente Gillian a estar no centro deste furacão relacional, num livro onde desfilam também algumas personagens secundárias de monta. Como Ellie, a jovem que trabalha com Gillian na galeria de arte, e que fala de Gillian como “escrupulosa. Tem olho para falsificações. Tanto humanas como artísticas. Teve sempre”; Mme. Wyatt, mãe de Gillian, que junta o olho de falcão relacional a um gosto pelas distinções: “…o amor é dramático e ardente e escaldante e ensurdecedor, enquanto o casamento é como a bruma quente que irrita os olhos e não nos deixa ver”; ou Terri, que Stuart contrata como chefe de mesa e com quem irá trocar saliva e outros mimos.
Julian Barnes leva-nos aos bastidores das relações amorosas e afectivas, às ruínas que cada casamento esconde, sempre num prenúncio de morte e reescrevendo o que se quer para a vida – e o que se vai atirando borda fora pelo caminho. O grande ensinamento, se é que o há, é o de que “a amizade consegue ser mais complicada do que o casamento, acreditem”, como conclui sabiamente Stuart. A verdade é que, depois disto, até poderá haver trilogia, fazendo o leitor suas as palavras de Mme. Wyatt: “Por isso, no que me toca, fico à espera”. Talvez um “Amor & Morte”, quem sabe.
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