Uma das curiosidades que aprendemos em “Tasmânia” (Dom Quixote, 2023), de Paolo Giordano, é que a ilha com esse nome proporciona o melhor refúgio em caso de apocalipse: possui temperaturas amenas, boas reservas de água doce e nenhum predador de seres humanos. Além disso, salienta-se que é fácil de defender de visitantes indesejados – deixando implícito que a salvação não será para todos.
O narrador, com quem esta informação é partilhada, enfrenta os seus pequenos apocalipses pessoais: o fim do amor, da amizade, de certas esperanças, e até da sensação de segurança, num mundo onde pairam os espectros dos atentados terroristas islâmicos e das alterações climáticas. Vários dados pessoais aproximam-no do autor, esbatendo a fronteira entre ficção e realidade: chama-se Paolo, o seu apelido começa por G., é italiano, aproxima-se dos 40 anos à medida que a narrativa progride – abarcando um intervalo de 2015 a 2020 –, é casado com uma mulher mais velha, tem formação em Física e trocou a investigação científica pelas letras. Uma diferença óbvia, todavia, reside no êxito obtido, visto que o narrador conta “apenas ambições e experiências falhadas” no mundo da escrita, enquanto o autor foi aclamado pelo seu primeiro livro, “A Solidão dos Números Primos”, e “Tasmânia” foi considerado o melhor livro do ano pelo Corriere della Sera, jornal com o qual colabora regularmente.
O texto principia com a chegada do narrador a Paris, para cobrir – precisamente para o Corriere della Sera – a conferência de 2015 das Nações Unidas sobre a emergência climática. Mais do que a preocupação com questões ambientais, motiva-o o desejo de diluir, em algo de maior complexidade e urgência, uma crise conjugal: depois de várias tentativas vãs de concepção de descendência comum, a mulher anunciou que desistiu de tentar. Sentindo-se “estéril, desprovido de futuro”, Paolo vai devaneando com o fim de uma relação que lhe parece vazia, transformada num “sistema de hábitos consolidados”, mas prefere mantê-la, em vez de enfrentar uma existência imprevisível.
Por ocasião da conferência, reencontra um antigo colega, agora enredado numa disputa parental, e trava conhecimento com um climatólogo que se torna popular, até ao dia em que, ressentido por ter sido preterido por uma mulher num processo de selecção profissional, defende publicamente que o sexo feminino é menos dotado para a ciência do que o masculino. Ora por incapacidade, ora por falta de vontade, Paolo não ajudará nenhum destes homens quando eles precisarem. A fragilidade das suas amizades reflectirá a vulnerabilidade de alguém que admite que se percebe mal a si próprio, e vive suspenso da espera por algo que não sabe identificar – uma incerteza representada, de modo algo óbvio, por uma deterioração da visão, que lhe mostra um mundo nebuloso.
Embora não falte sensibilidade a este relato em tom confessional, o interesse dos leitores pelas adversidades vividas pelo protagonista e pelos elementos do seu círculo talvez beneficiasse com uma maior tensão narrativa. Em alternativa, a forma como as catástrofes ambientais são enumeradas, sem desencadearem mudanças comportamentais, poderia ser explorada satiricamente, mas tal não acontece. Ainda que empatizemos com a busca de um sentido para a vida, são mais tocantes os testemunhos dos sobreviventes das bombas atómicas lançadas sobre o Japão, que o narrador compila para um livro que planeia escrever. A ficção dificilmente ultrapassa esse horror real.
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