Em 1995, os Pulp ilustraram de forma exemplar a expressão “estar no lugar certo à hora certa”. No caso da banda inglesa tratou-se de personificar, através de uma canção, um certo estado de espírito contaminado que começava então a despontar, e que pretendia dotar a pobreza de um glamour que, obviamente, não tinha. Decorridos quase vinte anos, e olhando aos resorts entretanto surgidos onde os ricos pagam para viver como pobres – ainda que tenham na maior parte dos casos água corrente e wi-fi -, percebe-se que a banda esteve muito à frente do seu tempo, prevendo o surgimento de um voyerismo doentio mascarado de turismo social.
“Common People” foi lançado como single no ano de 1995, tendo escalado o segundo degrau da tabela de vendas do Reino Unido. O tema, escrito por Nick Banks, Jarvis Cocker, Candida Doyle, Steve Mackey e Russell Senior, foi também incluído no brilhante “Different Class”, talvez o melhor de entre os LP`s da banda. Reza a história que a canção nasceu num pequeno Casiotone MT-500, comprado num Music & Video Exchange para os lados de Notting Hill. Já a primeira apresentação ao vivo terá decorrido no Reading Festival de 1994, dizendo-se que Jarvis escreveu a maior parte da letra na véspera de a banda subir ao palco, tendo tido muita dificuldade para se lembrar dos versos.
Jarvis Cocker, voz e figura maior dos Pulp, contou que a ideia para esta canção surgiu nos tempos em que estudou no Central Saint Martins College of Art and Design – por volta de 1988 -, onde conheceu uma estudante de arte grega que misturava bons atributos físicos com uma personalidade profundamente desagradável.
Numa actividade escolar designada por Crossover Fortnight, onde os estudantes tinham de experimentar uma disciplina alternativa durante um par de semanas, acabaram os dois por se dedicar à escultura. A semente para “Common People” terá nascido quando a rapariga lhe disse que queria mudar-se para Hackney para viver como a gente vulgar (common people). Cocker juntou-lhe uma forte carga dramática e, claro, tratou de mudar certas coisas, como o facto de, na canção, ser a miúda que quer dormir com o rapaz.
Como em muitas canções dos Pulp, por detrás de uma melodia harmoniosa esconde-se uma letra pouco feliz que, no caso de “Common People”, é amarga, vingativa e tremendamente desesperada, mas bem embrulhada num misto de humor e ironia que não deixa antever o nascer de uma crise existencial provocada por uma jovem de boas famílias.
É o rapaz que nos conta a história, a partir do momento em que conhece uma estudante grega com uma grande sede de conhecimento que estudava escultura no Saint Martin’s College. Após uma troca de olhares decidem ir beber um copo e, depois de saber pela boca da moça que o pai está muito bem na vida, troca a habitual cerveja por um rum com coca-cola.
A certo ponto da conversa, a rapariga diz-lhe que gostaria de viver e fazer o que a gente vulgar faz, até mesmo dormir com alguém vulgar como ele próprio. Motivado pela imagem mental de uma cama e dois corpos nus, o rapaz diz-lhe que fará o seu melhor e, para começar por algum lado, leva-a a um supermercado para experimentarem um pequeno exercício. Diz à rapariga para imaginar que não tem dinheiro para pagar e, perante o sorriso desta e a resposta “és tão engraçado”, pede-lhe para olhar à sua volta e ver se alguém está a sorrir.
Começa então uma espécie de discurso radiográfico da classe trabalhadora, proferido por alguém que dela pensou ter fugido e que se vê, naquele instante, encurralado entre dois mundos: o da comunidade trabalhadora (a working class), da qual quer escapar, e o mundo da alta finança, no qual não encontra também qualquer sentido para a vida.
Ao dizer-lhe que quer dormir com alguém vulgar como ele, a rapariga obriga-o a revisitar um dos seus grandes pesadelos, reconhecendo-o como alguém pertencente a um mundo do qual pensava ter já escapado e onde não encontra, ao contrário dela, qualquer poesia ou encanto.
É uma música extraordinária sobre o medo do fracasso, a história de um rapaz que tenta a custo escapar a um mundo no qual nasceu mas que, por causa de um par de saias, percebe que o terá sempre dentro de si, ainda que no final consiga virar a vida do avesso. Poor is cool? Uma ova.
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