A Sexta-feira 13 tem fama de ser um dia aziago. Embora Louise Candlish nunca mencione a superstição popular, é possível que a tenha levado em consideração, quando escolheu precisamente a Sexta-feira de 13 de Janeiro 2017 para datar os acontecimentos com que inicia “A Nossa Casa” (Clube do Autor, 2023). É então que Fiona, uma das personagens principais, regressa a casa e se depara com uma carrinha junto à entrada, a descarregar os pertences de pessoas que afirmam ter-lhe comprado o imóvel. Estupefacta, “convidada a entrar na sua própria casa, como se fosse uma visita”, encontra um espaço idêntico ao que deixou, mas “espoliado de todos os objectos que lhe pertencem”.
Este poderia ser o início de uma narrativa fantástica sobre universos paralelos, mas a autora optou antes por desenvolver um thriller, conseguindo-o tão bem que venceu, em 2019, o British Book Award nessa categoria. Percebemos depressa que a fraude imobiliária está no cerne da intriga – e este livro faz autêntica pedagogia acerca desse problema –, mas não é o primeiro crime que ocorre na linha cronológica, nem será o último, constituindo apenas parte de uma teia ancorada em segredos e más decisões.
Grande parte da capacidade da autora para cativar os leitores reside no interesse que desperta pelo passado e pelo futuro das figuras centrais, pois é fácil entender os dilemas que enfrentam, mesmo que não se pertença ao seu meio socio-económico. A já referida Fiona e o marido, Bram, adquiriram por um preço razoável uma casa que valorizou bastante em poucos anos, situada nos subúrbios de Londres, num bairro habitado por casais de classe média-alta com 1,5 filhos. Fiona investiu tempo, esforço e dinheiro na tentativa de criação de um lar perfeito, ao ponto de se deixar definir por ele.
Quando o casamento termina e surge a perspectiva de uma divisão de bens complicada, é, em parte, para preservar a casa, que propõe a Bram um acordo incomum de guarda partilhada dos filhos: as crianças permanecem no lar que conhecem desde sempre e os pais revezam-se na custódia, alternando entre o domicílio da família e uma habitação secundária. É neste contexto que Bram, desaparecido após ter deixado os filhos com a avó, se torna suspeito de ter vendido a casa sem o conhecimento de Fiona, ganhando assim uma fortuna suficiente para mudar de identidade e de vida, mas descobrimos rapidamente que a realidade é mais complexa.
A estrutura do texto possui um toque de modernidade, intercalando os pontos de vista dos elementos do casal com excertos de documentos electrónicos: um ficheiro Word que Bram envia por e-mail e o depoimento de Fiona num popular podcast sobre casos de polícia, com os comentários dos ouvintes a adicionarem um certo alívio cómico. É pena que nunca sejam identificados os “canais não oficiais” invocados por uma personagem como fontes de informação, mas esse pormenor não reduz a qualidade geral desta obra de final memorável. Quando julgamos que os últimos parágrafos serão uma espécie de epílogo desprovido de surpresas, encontramos uma pérola de ironia amarga, cuja apreciação justifica a atenção dispensada.
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