Arranca hoje, dia 18 de Maio, a segunda parte da Integral Kinuyo Tanaka, uma proposta da distribuidora The Stone & The Plot e do programador Miguel Patrício, que homenageia uma das mais importantes actrizes e realizadoras japonesas. A segunda parte desta retrospectiva é composta por “A Princesa Errante” (1960), “Mulheres da Noite” (1961) e “Senhora Ogin” (1962).
“A Princesa Errante” é o seu primeiro filme a cores, um monumental drama em Cinemascope sobre uma mulher apanhada no turbilhão da História. Kinuyo Tanaka faz a transição para a película colorida com a maior das naturalidades, já que a vistosa paleta de cores é a primeira coisa que salta à vista neste épico de guerra, impregnado de melodrama romântico, que rodou para o estúdio Daiei.
Em 1937, durante a ocupação japonesa na Manchúria, o cenário político é tenso e repleto de intriga. É nesse contexto que conhecemos Ryuko, uma jovem de uma família influente que é escolhida para casar com o irmão mais novo do imperador da Manchúria. Obrigada a deixar o Japão, ela terá de acostumar-se à sua nova vida enquanto princesa.
Baseado no bestseller das memórias de Hiro Saga, aristocrata japonesa do século XX, o quarto filme de Tanaka oferece-nos uma exploração comovente do percurso de uma mulher, através da adversidade e da auto-descoberta, interpretada com paixão pela estrela Machiko Kyo (“Ugetsu”).
Embora a trama seja aparentemente simples, a obra transcende as expectativas através da meticulosa construção visual orquestrada por Tanaka. Combinando habilmente os elementos de biopic com os floreados artísticos, brinda-nos com uma peça visualmente singular e arrebatadora. Poder-se-á até traçar um paralelo entre a atenção meticulosa aos pormenores na arte de ikebana, a arte de composição floral japonesa que segue regras e simbolismos preestabelecidos, e a estética visual que permeia a sua quarta longa-metragem.
Através de recursos visuais cuidadosamente escolhidos, como a utilização de espelhos, arranjos de ikebanae cores contrastantes (que fazem lembrar os cenários “pintados” e coloridos dos filmes de Nobuhiko Obayashi ou Seijun Suzuki), Tanaka comunica significados mais profundos, fazendo sobressair a subtileza das personagens e das suas relações, para além do guião. Na sua quarta obra, as cores são meticulosamente utilizadas com o intuito de transmitir emoções, estabelecer contrastes e criar uma estética visual harmoniosa.
Desde o design de figurinos e cenários, ao uso de adereços e metáforas visuais, cada elemento foi cuidadosamente considerado para capturar de forma íntegra o período e o ambiente retratados. Essa atenção aos detalhes, assim como nos arranjos florais que embelezam o filme, é claramente perceptível em cada plano, e contribui para a experiência rica e envolvente que é ver “A Princesa Errante”, uma jornada cinematográfica inesquecível.
Para o seu quinto filme, “Mulheres da Noite” (1961), a cineasta voltou a reunir-se com Sumie Tanaka, argumentista com quem já tinha colaborado em “Para Sempre Mulher” (1955).
Depois de “Carta de Amor” (1953), Tanaka volta a abordar o tema da prostituição, revelando as dificuldades e batalhas enfrentadas pelas mulheres que habitam as margens da sociedade, em luta contra o preconceito, a exploração e a condenação de uma sociedade que as usa e deita fora.
A lei anti-prostituição que entrou em vigor no Japão, em 1958, e que veio decretar o encerramento dos bordéis e a criação de inúmeros reformatórios para a integração das ex-prostitutas na sociedade, é apenas a rampa de lançamento da quinta longa da cineasta, que, através da história da ex-prostituta Kuniko reflecte e esclarece sobre as experiências destas mulheres estigmatizadas no Japão do pós-guerra.
Filmado a preto e branco, desta vez para o mítico estúdio da Toho, conta com a incrível direcção de fotografia de Asakazu Nakai, reconhecido por filmes como “Os Sete Samurais” ou “O Trono de Sangue”, de Akira Kurosawa.
A fotografia monocromática de Nakai torna-se o complemento perfeito para o guião robusto de Sumie Tanaka, recheado de diálogos carregados de críticas contundentes à sociedade japonesa, e Kinuyo Tanaka retrata com empatia uma comunidade vulnerável de mulheres marginalizadas por um mundo masculino opressivo, onde a sororidade emerge como a única saída viável.
Através das muitas histórias destas “mulheres da noite”, enfatiza a valorização da independência e da expressão individual feminina, sem nunca oferecer uma resolução simples ou adoptar uma posição moral sobre os desafios que Kuniko enfrenta. É sem sombra de dúvida um dos pontos altos da filmografia da realizadora, e o seu feminismo militante nunca foi manifestado de forma tão evidente como em “Mulheres da Noite”.
“Senhora Ogin” (1962), baseado num romance do escritor Tôkô Kon, foi o último filme de Tanaka enquanto realizadora – e também o de orçamento mais caro. Foi produzido pela Ninjin Kurabu, uma produtora fundada por três actrizes, criada com o objectivo de produzir de forma independente longe das restrições impostas pelos estúdios, e distribuído pela Shochiku, o estúdio dos filmes de Ozu.
O seu último filme tem uma forte ligação com o género jidaigeki, um género popular no cinema japonês que se centra em dramas ambientados na era feudal do Japão. São obras cinematográficas situadas em períodos históricos, com uma abordagem técnica meticulosa, que frequentemente retratam a vida dos samurais, a hierarquia dos senhores feudais e as intricadas estruturas sociais vigentes naquela época, mostrando os aspectos culturais e históricos do passado do Japão.
Embora “Senhora Ogin” não seja um filme tradicional de samurais, insere-se no mesmo contexto e explora temas relevantes para o género, partilha o foco na narrativa histórica, na atenção aos detalhes da época e na exploração das dinâmicas sociais.
A partir de um guião de Masashige Narusawa (“Rua da Vergonha”), mergulhamos nas tensões sociais e religiosas da época, quando no final do século XVI, vindo do Ocidente, o Cristianismo é proscrito no Japão. Kinuyo Tanaka propõe uma interessante reflexão sobre a liberdade religiosa e a luta pelas crenças individuais, a partir do conflito entre os cristãos e a sociedade japonesa predominantemente budista e xintoísta.
A trágica história de amor de Ogin, filha de um famoso mestre da Cerimónia do Chá, e Takayama Ukon, um cristão já casado, serve de catalisador para a exploração de questões da fé e da identidade nipónica, num filme que pode ser visto como um testemunho da visão criativa e artística de Tanaka enquanto realizadora.
Se “A Princesa Errante” estabelece uma forte ligação com a arte de ikebana, o último filme de Kinuyo Tanaka, também a cores e lindo de se ver, é infundindo com referências à cerimónia do chá que permeiam todo o filme, com um significado simbólico e temático.
Com composições visualmente arrebatadoras, jogos de luz hipnotizantes e uma estética que preconiza a iminente tragédia da história, a jornada de Ogin transcende a tela para espelhar, de forma profunda, os vários sacrifícios enfrentados pelas mulheres, não apenas na época retratada, mas também nos dias de hoje.
Os seis filmes da cineasta desafiaram constantemente as normas sociais, questionaram os papéis de género e trouxeram à luz as experiências de mulheres marginalizadas. Kinuyo Tanaka, enquanto cineasta visionária, deixou uma marca indelével com a sua sensibilidade artística refinada, e capturou magistralmente a essência das emoções humanas nos seis maravilhosos filmes que realizou.
Celebremos e honremos a contribuição inestimável de Kinuyo Tanaka para o mundo do cinema, não apenas como actriz, mas também como uma das mais talentosas cineastas.
Locais e Datas de Exibição
Lisboa
Cinema City Alvalade, diariamente de 18 a 31 de Maio (com sessões especiais)
Cinemas NOS Amoreiras, sessões em Maio/Junho: dias 19, 20, 21 / 26, 27, 28 / 2, 3, 4
Porto
Teatro Municipal do Porto – Rivoli . Campo Alegre, diariamente de 18 de Maio a 7 de Junho
Cinemas NOS Norteshopping, sessões em Maio/Junho: dias 19, 20, 21 / 26, 27, 28 / 2, 3, 4
Coimbra
Casa do Cinema de Coimbra, diariamente de 18 a 22 de Maio
Cinemas NOS Alma, sessões em Maio/Junho: dias 19, 20, 21 / 26, 27, 28 / 2, 3, 4
Almada
Cinemas NOS Fórum Almada, sessões em Maio/Junho: dias 19, 20, 21 / 26, 27, 28 / 2, 3, 4
Faro
Cinemas NOS Fórum Algarve, sessões da noite em Maio/Junho: dias 19, 20, 21 / 26, 27, 28 / 2, 3, 4
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