Quando o cidadão comum pensa em mulheres cientistas, é usual recordar uns poucos nomes da era contemporânea. Por exemplo, Marie Curie, distinguida com dois prémios Nobel. Porém, por cada nome célebre, existem dezenas ou centenas de outros que permanecem na obscuridade. João Paulo André, professor de Química na Universidade do Minho, dá um contributo inestimável para que obtenham o reconhecimento devido, em “Irmãs de Prometeu: A Química no Feminino” (Gradiva, 2022).
Nesta obra de proporções quase enciclopédicas – mais de 600 páginas, às quais se somam 99 de notas e referências que podemos descarregar do website, o autor narra uma parte significativa da História da Ciência de forma dinâmica e cativante, através das vidas das mulheres que se dedicaram à Química, frequentemente desafiando preconceitos sociais.
Logo no início, é-nos recordado que a preparação e a conservação de alimentos – tarefas tradicionalmente atribuídas ao sexo feminino – envolvem processos químicos. O mesmo sucede nas produções de cerveja, medicamentos e perfumes – indústrias a cargo de mulheres no Antigo Egipto. Porém, a cultura grega, que moldou o pensamento ocidental, considerava a criação intelectual uma qualidade exclusiva dos homens, negando às mulheres igual acesso à instrução. Assim sendo, a luta por esse direito e a evolução das políticas educativas, enquanto condicionantes da prática cientifica, também constituem uma parte importante deste livro.
Apesar de todos os obstáculos, descobrimos aqui uma vasta galeria de personalidades notáveis, atravessando séculos, países e estratos sociais, abrangendo desde rainhas e outras senhoras de nascimento nobre até figuras modestas, ou de quem pouco se sabe, como Maria, a Hebraica, inventora de dispositivos como o banho-maria, num tempo em que a Química mal se distinguia da alquimia. Encontramos biografias trágicas, como a de Stefanie Horowitz (1887-1942), natural de Varsóvia, filha de um reputado pintor que chegou a ser retratista oficial do imperador da Áustria, doutorada em Química Orgânica, autora de artigos que hoje se contam “entre as mais importantes publicações de química da primeira metade do século XX”, que acabou morta num campo de extermínio nazi, por ser judia. Felizmente, lemos também casos de triunfo, como o da cientista portuguesa Branca Marques (1899-1986), que partiu de Lisboa para Paris, a fim de trabalhar no Instituto do Rádio, sob a orientação de Marie Curie, tendo posteriormente regressado e criado o Laboratório de Radioquímica da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
Página a página, vários avanços da Química cruzam-se com as mudanças na condição feminina, gerando sorrisos combinados com uma sensação de revolta. “Descobertas sobre moléculas ajudaram o marido a ganhar o Nobel”, escreveu o New York Times em 2017, no obituário de Isabella Karle, uma de muitas profissionais que trabalharam em estreita colaboração com os maridos, arriscando serem vistas como apêndices destes. Jerome Karle conta-se entre aqueles que deram crédito ao saber e ao trabalho das esposas, julgando-as igualmente dignas de distinção, mas nem todos tiveram a mesma atitude. O percurso das mulheres na Ciência não tem sido parco em discriminações, e a conquista de um espaço na Química deve muito à ocupação de nichos em campos inovadores (como as ciências atómicas, a cristalografia e a bioquímica), menos procurados pelos homens quando a ausência de reconhecimento da comunidade científica lhes reduzia o prestígio.
No fim da leitura, podemos não ter a certeza de que a Ciência já tenha aprendido a aproveitar plenamente o potencial de cerca de metade da Humanidade, mas é garantido que a nossa perspectiva da História da Química nunca mais será a mesma.
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