São dois nomes que, por esta altura, têm já lugar cativo na bancada central da editora G. Floy: Ed Brubaker e Sean Phillips, dupla da qual a editora portuguesa, dedicada ao universo dos quadradinhos, já publicou a muito Chandleriana novela gráfica The Fade Out, a voluptuosa série Fatale e, também, Criminal, que, a ser descrita por Michael Phelps, seria qualquer coisa como um mergulho da prancha mais alta numa piscina de águas turvas, onde nadam o crime e as drogas e que revisita, sem perder o pé ou a noção da realidade, todos os clichés de um género maior: o policial negro. Ou, se preferirmos as palavras de Brubaker, “uma exploração do carácter de personagens que fizeram más escolhas, coisas terríveis, misturada com explosões de violência e crime aleatórias”.
Após a publicação de três volumes e de uma história paralela bravamente intitulada “Os Meus Heróis Foram Sempre Drogados”, chegou às livrarias o quarto volume da série (Lugar Errado/Altura Errada + Um Fim-de-Semana Mau – G. Floy, 2021), que inclui duas histórias que, uma vez mais, acabam por se interligar de forma quase subliminar, e nas quais a banda desenhada ocupa o lugar central e faz de papel de cenário, chegando mesmo a haver uma convenção de comics.
No centro de tudo está Teg Lawless, um repetente destas andanças e uma das mais imorais e violentas personagens de Criminal, que permite olhar para as expectativas de diferentes ângulos e olhares: as de um filho para com o pai ou as de um criminoso para com os seus chefes.
Em Lugar Errado, a primeira parte do díptico Lugar Errado/Altura Errada, recuamos ao ano de 1972, quando Teeg leva Tracy, o filho de doze anos, numa road trip muito distante do espírito que animou, por exemplo, Jack Kerouac, com altos níveis traumáticos de vingança e morte. Enquanto na prisão, Teeg entretém-se com livros de banda desenhada de Zanghan, o Selvagem, que viveu numa era de deuses e monstros e é o último descendente dos homens malditos de Valandria. Um He-Man desbotado pelo ar gasto e retro das páginas, numa história incluída na revista Savage, que vai servindo de consolo a Teeg que, esperando encontrar um tempo de paz na prisão, se encontra na posição do homem mais procurado: “Tinha tido duas semanas de paz aqui: longe de si próprio, longe de todos. Mas alguém tinha mandado o mundo exterior à procura dele. E ele não sabe quem ou porquê”.
Altura Errada é narrada pelo filho de Teeg, e desta vez é a revista “Fang, o Lobisomem do Kung Fu” a estar no centro da acção. Nesta segunda parte do díptico, assistimos da primeira fila ao temor que um pai impõe a um filho, à perda da infância e ao fechar da porta a amizades, à impossibilidade da felicidade, sempre com a manipulação e o medo a dirigirem vidas como marionetas.
Um Fim-de-Semana Mau entrega o protagonismo a Jacob, em tempos assistente de Hal Crane, um lendário artista em declínio que irá receber um prémio de carreira na Comic Con, por séries como “Danny Danger And The Fantasticals” e, som de tambores a rufar, Zanghar. Caberá a Jacob desempenhar o papel de baby-sitter, controlando a acidez de Crane e a vontade deste de pegar fogo ao circo, um remediado que viu muito boa gente – e sobretudo má – enriquecer às suas custas. “Estávamos em 1997 e a indústria dos comics estava a morrer. Editoras a falir, distribuidoras a implodir, lojas a fechar pelo país todo. Os comics eram um negócio minúsculo em vias de extinção, e toda a gente sabia disso”. A Comic Con parece porém indicar o contrário, mostrando-nos uma história onde há assaltos, falsificações e um final que oferece ao leitor um valente trambolhão. Se gostam de Raymond Chandler ou da atmosfera do policial noir, esta série e um verdadeiro mimo.
Sem Comentários