Era o verdadeiro DNA: Douglas Nöel Adams nasceu a 11 de Março de 1952, apenas nove meses antes da descoberta da mais fundamental estrutura genética. O autor gostava de dizer, nas entrevistas, que se orgulhava das suas iniciais. Formou-se em literatura inglesa no meio académico de Cambridge e, em 1971, partiu em busca de aventuras numa longa viagem pela Europa, até Istambul. De passagem pela Áustria, deu por si deprimido e perdido de bêbado, a observar as estrelas, o que o levou a pensar que teria sido bem melhor ter feito a viagem pelo espaço.
Dito e feito. Em 1979, surgia uma série radiofónica em seis episódios chamada À Boleia pela Galáxia, que foi um sucesso instantâneo. Daí até aparecer o primeiro livro da «trilogia em cinco partes», foi um fósforo. A saga acabaria por ser traduzida para trinta idiomas, vendendo mais de vinte milhões de exemplares no mundo inteiro — número que ainda hoje continua a avolumar-se.
“O Restaurante no Fim do Universo” (Saída de Emergência, 2022) é o segundo tomo da narrativa, pegando na história exactamente onde tinha sido deixada no final do primeiro livro: a nave Coração de Ouro está sob a mira dos Vogon; a bordo, encontram-se o Presidente da Galáxia, Zaphod Beeblebrox; o repórter de campo do Guia para Quem Anda à Boleia pela Galáxia; e os dois últimos humanos do universo, Arthur Dent e Trillian.
A nave encontra-se impossibilitada de se defender, porque o computador de bordo está totalmente bloqueado na árdua tarefa de arranjar, a Arthur Dent, uma chávena de chá decente. Zaphod, Ford, Arthur e Trillian sobrevivem por um triz, mas com a salvação chega uma informação inesperada: aparentemente sofrendo de um impedimento mental auto-infligido, Zaphod descobre, por intermédio da visita do antepassado Zaphod Beeblebrox IV (ou será futurpassado?), que o seu caminho para a Presidência da Galáxia não foi um acaso, mas algo planeado com um fim específico em vista.
A sua missão, que não tem o mínimo interesse em aceitar, será descobrir as verdadeiras mãos que seguram as rédeas do universo. Segue-se um sortido de peripécias por mundos distantes, tempos longínquos e planetas improváveis, que culminarão numa descoberta que vai iluminar as próprias origens da raça humana.
Adams polvilha o livro com situações completamente improváveis, fazendo uso de um humor que raia muitas vezes a insanidade: como quando apresenta, num restaurante, um bovino falante que publicita a sua própria carne, gerando um diálogo absurdo e hilariante: «— Boa noite, — disse, sentando-se sobre os quartos traseiros. — Eu sou o prato do dia. Posso interessar-vos em partes do meu corpo?».
Mais do que uma narrativa linear, Adams compõe o livro desfiando uma série de situações de comédia, umas atrás das outras. Mistura o altamente inverosímil com o irritantemente banal, colocando os personagens perante problemas e desafios delineados com a ironia e humor seco e incongruente do autor, um prodígio a disparar ideias a um ritmo alucinante.
Se procura uma história com cabeça, tronco e membros, talvez seja melhor passar ao largo deste livro. Se, pelo contrário, histórias com duas cabeças, andróides deprimidos e restaurantes com vista para o apocalipse fazem o seu estilo, pode mergulhar nesta obra sem receios.
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