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Direita e Esquerda, Cavalo de Ferro, Deus Me Livro, Crítica, Joseph Roth
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“Direita e Esquerda” | Joseph Roth

Por Isabel Daires · Em 27/12/2022

“Ainda me lembro do tempo em que Paul Bernheim prometia vir a ser um génio”. Nunca descobriremos quem é o narrador que assim inicia “Direita e Esquerda” (Cavalo de Ferro, 2022), para em seguida se eclipsar, não voltando a utilizar a primeira pessoa, mas sabemos que se trata de alguém que, tal como o autor, Joseph Roth (1894-1939), assistiu a eventos fulcrais do século XX: a queda do Império Austro-Húngaro, a Primeira Guerra Mundial e a ascensão do nazismo durante a crise económico-política da República de Weimar.

É por essa época conturbada que acompanhamos Paul Bernheim, o representante de uma geração comparável, até certo ponto, àquela que, nas letras portuguesas, ficou conhecida como a dos “vencidos da vida”. Ele é o filho dilecto de uma burguesia alemã anglófila que lhe oferece uma educação esmerada e oportunidades de sucesso a vários níveis, mas as vicissitudes com que se vê confrontado, aliadas aos seus próprios defeitos de carácter, impedem-no de corresponder às expectativas e mergulham-no numa insatisfação persistente.

A ironia abunda no texto, sobretudo na caracterização da família de Paul e do meio em que ele se move. Pelo seu impacto na narrativa, destaca-se também o irmão mais novo, Theodor, membro de um grupo radical antissemita cujos objectivos incluem “impor a ordem na Alemanha, derrubar o governo, banir os bolchevistas e os judeus de todos os partidos, acender fogueiras e declarar a guerra”. A origem judaica da mãe, obviamente, é algo a ocultar aos camaradas. Theodor inveja e despreza o promissor irmão mais velho, funcionando a inimizade profunda entre os dois como reflexo das lutas políticas e sociais que dilaceravam a Alemanha.

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Em pleno confronto entre irmãos, quando o império bancário herdado do pai sofre com a inflacção, irrompe na história Nikolai Brandeis, um emigrante ucraniano que enriqueceu graças ao talento para tirar partido do caos. Todas as três partes em que a obra se divide terminam com esta personagem a assinalar um ponto de viragem na narrativa, aproximando-se ou afastando-se dos irmãos Bernheim. Ciente de que os ideais que outros apregoam são pretextos para a prossecução de interesses ocultos, Brandeis não tem pejo de assumir a sua ausência de convicções: “Tive pátrias, estas sucumbiram. Acreditei em princípios, estes esfumaram-se”. A sua amoralidade livre de hipocrisias e o modo como o seu triunfo desafia a xenofobia vigente – “Uma pessoa não tinha preconceitos, certamente, mas não era medonha aquela gente vinda do Leste?” – levam-nos a apreciá-lo mais do que a Paul, um homem ideologicamente e sentimentalmente volúvel, dado à auto-compaixão e à ingratidão.

Publicado pela primeira vez em 1929, este é um livro é menos abertamente político do que o título leva a crer, embora rico em críticas à forma como “é nas bolsas do mundo que se determina a moral da sociedade”. Acima de tudo, oferece-nos um retrato tão burlesco quanto amargo de uma sociedade cuja desagregação afectou irreversivelmente o nosso tempo.

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Isabel Daires

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