Kurt Vile é uma figura interessante no panorama indie-rock norte-americano. O aspecto de apreciador de psicotrópicos, desgrenhado e permanentemente escondido atrás de um muro de cabelos compridos, esconde no entanto um músico competente e consistente, que se tem vindo a esmerar de disco para disco (parece que o homem nem sequer fuma erva).
Em 2013, Kurt Vile editou o seu 5º disco de originais, “Wakin on a pretty daze”. Aclamado pela crítica e pelo público, o disco figurou em muitas das listas de melhores desse ano e chamou a atenção para este antigo músico dos The War on Drugs, que já em 2011 tinha dado nas vistas com “Smoke ring for my halo”.
Vile lança agora o seu novo disco, “B’lieve i’m going down” (Matador Records, 2015), o primeiro produzido pelo próprio. Em entrevista à Rolling Stone, afirma que este disco foi gravado no decorrer do dia-a-dia. Não se fechou num estúdio com músicos profissionais, antes esperava que a mulher e as filhas fossem para a cama, à noite, para depois compor e gravar até ao nascer do sol, no que ele chama de as horas mágicas. “You gotta be alone to figure things out, sometimes” canta em “Wheelhouse”.
O seu som evoluiu, ficou mais apurado e limpo. Enquanto “Wakin’…” era grandioso, optimista e eléctrico, este novo disco é “nocturno, vulnerável e talvez até um pouco triste” (palavras do próprio em entrevista ao Ipsilon). Mas há também espaço para notas de humor e auto-ironia. Diz Vile à Rolling Stone: “A minha música tem de ser engraçada e triste, feliz e terna, tem de ter tudo. Quando alguém é sempre demasiado sombrio, é só drama.”
O primeiro single, “Pretty Pimpin”, instala-se confortavelmente na nossa cabeça e não mais de lá sai. Uma guitarra dedilhada, harmonias vocais certeiras, e Kurt confrontado com um estranho no espelho da casa de banho – ele próprio -, inseguro mas ainda assim bastante “estiloso”, como diz no refrão.
Em “B’lieve i’m going down” há também lugar para alguma experimentação, num disco onde o banjo e o piano são protagonistas e tomam, muitas vezes, o lugar das guitarras e do reverb do disco anterior. Veja-se “I’m an outlaw”, onde Vile pisa um terreno mais folk, adequado à banda sonora de um western, enquanto canta “I’m an outlaw on the brink of / Self-implosion / Alone in a crowd on the corner” por cima de uma linha de banjo.
Encontramos, ao longo do disco, ecos das influências desde sempre determinantes na carreira de Kurt Vile: desde logo Neil Young. Ouça-se “Harvest” (1972), de Young, e pode ver-se que a matriz deste som está lá toda. Por vezes a prestação vocal de Vile faz lembrar Bob Dylan (principalmente em “Wild Imagination”), e o fantasma de Lou Reed passeia-se aqui e ali na sua voz.
Há ainda lugar para novas influências. O cantor passou algum tempo em estúdio com os membros dos Tinariwen, uma fantástica banda de blues-rock do Mali e, dessas Jam Sessions, nasceu a inspiração para “Wheelhouse”, uma balada atmosférica que Vile afirma ser a sua música preferida do disco.
O cantor é sem dúvida um músico e guitarrista singular. Muito influenciado pelo chamado “fingerpickin style” do guitarrista folk John Fahey, as suas malhas e dedilhados são complexos e cheios de pormenor. Como compositor tem talento para construir melodias inventivas e originais, mas que mantêm sempre uma identidade reconhecível. As canções são directas e precisas, os arranjos limpos e o som espaçoso e intencional. A bateria, ocupada pela baterista das Warpaint, Stella Mozgawa, soa incrivelmente límpida e clara ao longo de todo o disco. Conjunto de músicas coesas e fortes, “B’lieve i’m going down” é bem capaz de ser a obra-prima de Kurt Vile.
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