Quem se cruzasse, há dois dias atrás, com Roger Eno na noite de Lisboa, julgaria tratar-se de um turista perdido na urbanidade, vestido a preceito para um passeio tardio no campo – mesmo que, as duas minis que carregava com zelo, pudessem indicar outros planos.
O pianista e compositor britânico trouxe ao Museu do Oriente – e ao Misty Fest – o recente “The Turning Year”, álbum lançado com prestigiado selo da Deutsche Grammophon, editora na qual se havia estreado, em 2020, com “Mixing Colours” – o primeiro disco gravado em duo com o seu irmão, o também compositor e produtor Brian Eno.
Sem o quarteto de cordas presente em algumas peças do recomendado “The Turning Year”, o concerto – composto por três peças – foi um passeio pelo campo com vista para o mar, uma hora de contemplação – e alguma pasmaceira – que permitiu ver de que forma a geografia influencia a composição de Roger Eno. Eno que, com bastante piada, fez uma introdução digna do melhor humor britânico, atirando um “que se lixe a tecnologia”, dizendo-se capaz de falar “inglês e rubish” e prometendo “uma hora de música tranquila”, antes de apresentar o filme que transformou a sua actuação num cine-concerto, uma experiência imersiva onde as imagens dividiram o protagonismo com a música: “É um filme que mostra a área onde vivo. Se não me mudo, apesar de toda a baralhada política que se vive em Inglaterra, é por causa deste lugar. Temos uma vida encantada. Juntem-se à minha vida durante uma hora. Não se passa grande coisa, por isso talvez tenham vindo a um não-evento”. Um filme feito maioritariamente com a colagem de fotografias, e onde as únicas imagens em movimento – nunca revelando tudo – eram as daquilo que parecia ser um galo amarrado a uma cana e as mãos da sua mulher, que assumia o papel de um maestro silencioso: “A minha mulher usa cinco agulhas para tricotar roupas. Muitas vezes tenho medo de dormir a seu lado”.
Reduzindo o piano a quase um sussurro, uma toada minimalista abalada por alguns momentos de tempestade sem queda de granizo, observaram-se rostos de pedra, padrões em azulejos desbotados, estátuas com poses suplicantes, a cabeça de uma boneca abandonada, caveiras com olhos de areia ou as órbitas vazias, o lado triste da santidade, o desenho de um leão que poderia estar num livro de C.S. Lewis, lagos, pores-do-sol, árvores, troncos e raízes, castelos e ruínas, um barco abandonado no qual cresceu um pequeno jardim, dois pássaros vigilantes em cima de ramos tenebrosos – imagem que daria um cartaz incrível do Misty Fest – e sempre, sempre o mar e o horizonte lá ao fundo.
A segunda peça, escrita em homenagem a um antigo hotel da época vitoriana, agora abandonado – “Tenho 65 anos e sou a pessoa mais nova que aparece por lá”, permitiu espreitar através de janelas partidas, na companhia de frascos coloridos e copos abraçados por teias de aranha.
“Eu costumo dizer que é só uma hora, um pouco como ir ao dentista”, brincou Eno, antes de finalizar com “Saint Colombas` Walk”, aqui já com o piano liberto de amarras. Uma noite onde o compositor se divertiu a brincar com a velha máxima fotográfica: uma imagem vale mais do que mil notas de piano.
MISTY FEST 2023 | DATAS
LISA GERRARD & JULES MAXWELL
25 Novembro | Teatro Municipal – Guarda
27 Novembro | Centro de Artes e Espectáculos – Figueira da Foz
29 Novembro | Theatro Circo, Braga
30 Novembro | Centro de Artes do Espectáculo – Portalegre
JOANA SERRAT
27 Novembro | Museu do Oriente – Lisboa
28 Novembro | Casa da Música, Porto
TIGRAN HAMASYAN
5 Dezembro | Casa da Música, Porto
6 Dezembro | CCB, Lisboa
Promotora: Uguru
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