Bastaria pegar em dois romances para considerar Jonathan Franzen, americano nascido em 1959 no estado do Illinois, um dos maiores romancistas contemporâneos. Sempre tendo a família como a âncora maior das suas histórias, tanto “Correcções” como “Liberdade” ofereceram um retrato cruel mas nem por isso desprovido de humor do mundo e das suas relações. Se no primeiro era a família que estava no centro do furacão, com as relações – e ralações – entre irmãos e a apropriação do poder – bem como a delirante vingança – por parte do lado materno, em ”Liberdade” é o amor – e a falta dele -, o ciúme e a paixão que incendeiam a narrativa, no livro que valeu a Franzen o reconhecimento total com honras de capa na prestigiada Time Magazine.
Lançado recentemente à escala global, “Purity” (Dom Quixote, 2015) vem contribuir para consolidar Franzen como um verdadeiro escritor de culto que, com uma linguagem avessa a grandes artifícios ou manias, consegue penetrar por baixo da pele do leitor, apresentando-o a personagens que poderiam bem morar na sua rua, trabalhar a seu lado ou, até, estar defronte do espelho no qual diariamente vão dando conta da passagem do tempo.
Uma vez mais é a família que sustenta toda a narrativa, nomeadamente a da jovem Pip – 23 anos -, criada com a mãe num ambiente de redoma sem saber quais as suas raízes e quem é o seu pai. Pip, que na verdade se chama Purity, tem às costas um empréstimo de cento e trinta mil dólares, contraído para tirar um curso, vivendo em Oakland numa casa ocupada por anarquistas, sem saber por que razão a mãe decidiu viver isolada do mundo com um nome inventado.
Será nessa casa que Purity irá conhecer uma estranha pacifista alemã chamada Annagret, mulher de Andreas Wolf, um homem com mandatos de captura por pirataria informática e espionagem eresponsável pelo Projecto Luz Solar que, um pouco como o Wikileaks, tem como aparente missão denunciar todos os segredos do mundo – ou pelo menos aqueles que considera os mais inconvenientes. É o próprio Wolf que acaba por convencer Pip a candidatar-se a um estágio na América do Sul – na Bolívia -, conhecendo de perto aquele que todos consideram ser um homem magnetizante e indecifrável, e que a obrigará a reflectir sobre quais serão realmente as fronteiras entre o bem e o mal.
Uma vez mais Franzen constrói uma narrativa onde dá voz a múltiplas personagens, cada uma delas um verdadeiro achado, resultando dessa aparente desconexão um puzzle de emoções que, no final, mostrará um surpreendente desenho. Para lá de Purity, Franzen apresenta-nos a outras personagens incríveis, alternando entre o presente e o passado, fazendo recuar-nos aos tempos em que Berlim estava dividida ao meio por um muro e o comunismo provava ser um colossal embuste – fica evidente que Franzen não nutre grande simpatia por esta ideologia.
Temos Andreas Wolf, em tempos um ateu que dependia de uma igreja e que nela trabalhava com jovens em risco, e que acabou por se tornar numa proeminente figura mundial, amado por muitos e odiado por outros tantos, carregando às costas uma mochila repleta de segredos, mentiras e maquilhagem; Tom Aberant e Leila, jornalistas de investigação e com uma relação quase em fanicos, isto por Tom nunca se ter conseguido libertar do fantasma da sua anterior relação; ou a mãe de Pip, obcecada pela prática de algo a que chama de Perseverança, numa fuga constante aos outros mas, sobretudo, a ela própria.
Ao viajar entre o passado e o presente de todas estas personagens, Franzen apresenta-nos a um mundo – o nosso mundo – feito de imagens e de aparências, onde cada um parece estar a desempenhar um papel que os outros imaginaram para si e onde, a individualidade, parece estar condenada. Um mundo constantemente vigiado pela Internet – há algures uma fantástica analogia entre esta e as ditaduras comunistas -, pelos telefones, pelas polícias secretas que, em cada momento da história, tratam de registar e se possível eliminar todos os desvios à abençoada normalidade. Ainda assim, mesmo sem lugar para a pureza, haverá sempre razões para tentarmos fazer melhor do que os nossos pais. Ou, pelo menos, para conseguirmos falhar melhor.
2 Commentários
Considerar Jonathan Franzen um grande escritor dá o mesmo riso que aqueles que consideraram o José Rodrigues dos Santos o melhor escritor português. Franzen é um verdadeiro produto de marketing, programado para consumo imediato. A posteridade não se lembrará dele como lembrará outros da sua época, tais como o já falecido David Foster Wallace entre outros. Um tipo que escreve “a minha cabeça era uma estação de rádio onde dava Anabel …” p. 410. Estou a citar de cor, não merece que se escreva sobre ele uma linha que seja
Acho que a posteridade lembrará bastante dele e que ele é muito bem sucedido em diversos aspectos, fazendo uma excelente literatura.