O Porto/Post/Doc está de regresso à cidade do Porto entre os dias 16 e 26 de Novembro. Depois do anúncio do programa Nós, a Revolução – Cinema e Política, cujo foco estará nas obras de Márta Mészáros e Miklós Jancsó, surgem agora duas outras novidades: um programa temático de filmes e conversas em torno da Neurodiversidade e uma mostra do cinema-alerta de Sierra Pettengill.
O cinema tem contribuído para a exploração de como a sociedade é visualmente representada na cultura. Uma nova geração de historiadores do cinema, que emerge do campo da história social, tem trabalhado em questões como classe, género, etnia, religião, deficiência e saúde mental. Herdando desse trabalho e com o objetivo de abrir novos espaços de debate, a edição 2022 do Porto/Post/Doc integrará um ciclo temático onde se pretende reflectir sobre o conceito da neurodiversidade de forma justa e comovente. O programa Neurodiversidade incluirá os filmes: “Jaime”, de António Reis; “Les enfants d’Isadora”, de Damien Manivel; “Pára-me de Repente o Pensamento”, de Jorge Pelicano; “Solo”, de Artemio Benki; e “Super Natural”, de Jorge Jácome. A par do ciclo de cinema, o tema da Neurodiversidade marcará ainda o Fórum do Real, cujo painel de conversas e convidados será anunciado mais à frente.
Desde os anos 90, os movimentos sociais associados às diferenças neurológicas têm vindo a florescer e contribuído para uma mudança do paradigma social. Há autores que começaram a falar de “tribos” neurológicas referindo-se, por exemplo, ao autismo ou à bipolaridade. O aumento de manifestações sócio-culturais, onde o cinema tem particular lugar, que vão acompanhando esta tendência têm contribuído para o combate ao estigma, diminuição da ideia de cura ou vergonha e sensibilização para a valorização de competências associadas à diversidade humana. Apesar desta evolução, a resistência à ideia de multidisciplinaridade e transdisciplinaridade entre movimentos sociais tem-se mantido por tendência de moralidade ou mesmo de falta de conceitos que provoquem a união entre os diversos movimentos sociais. Esta resistência, tem provocado uma generalizada falta de discussão e pensamento crítico. Nos finais dos anos 90, Judy Singer e Harvey Blume iniciam um debate à volta de um novo conceito que parece ter potencial para criar um intenso e profícuo diálogo – a neurodiversidade. Actualmente, poderemos questionar se estaremos perante um novo movimento sociocultural na medida em que a neurodiversidade entende que não existe um tipo neurológico normal, mas antes um espectro de variações tão complexas e diversas como os genes, os ecossistemas ou as espécies. De acordo com a neurodiversidade, autismo, bipolaridade, dislexia, síndrome de down, esquizofrenia, PHDA e tantas outras diferenças neurológicas são, acima de tudo, características humanas que devem ser respeitadas como qualquer outra diferença.
Se há marca que se destaca no trabalho da arquivista e cineasta norte-americana Sierra Pettengill, é a sua capacidade de colocar o passado a dialogar com o presente de uma forma que possibilita não só a documentação histórica, mas também o mapeamento da actualidade e dos perigos da “história que se repete”. A sua breve, mas incontornável filmografia, compõe-se com uma trama de imagens raras, onde a autora investiga temas como o funcionamento da violência de estado nos EUA ou os mecanismos absurdos, descarados e ousados da política “feita para a televisão” de Ronald Reagan. Cinema essencial e urgente para descobrir no programa retrospectivo integral que o Porto/Post/Doc lhe dedica este ano.
Quando, no início de 2022, a nova longa-metragem de Sierra Pettengill (“Riotsville, USA”) estreou no Festival de Sundance, na secção competitiva de documentários norte-americana, os críticos saudaram-na como um objecto apaixonado, mas de olhar atento sobre o processo de militarização das forças policiais norte-americanas. Imersivo e esclarecedor, o filme questiona como as táticas violentas do passado levaram ao presente cada vez mais armado que hoje testemunhamos.
“Riotsville, USA” é apenas a expressão mais recente do trabalho sobre os arquivos que Pettengill vem desenvolvendo, onde explora as assombrações do presente da América pelo seu passado. De facto, Pettengill é uma conceituada arquivista que trabalhou com nomes como Jim Jarmusch, e foi no decorrer da sua profissão que surgiu a sua anterior longa-metragem, “The Reagan Show” (co-realizada com Pacho Velez), estreada no Festival de Locarno, em 2017. Tendo como pano de fundo a Guerra Fria, e repleto de humor e ironia política, o filme centra-se no actor que, enquanto presidente dos EUA, reinventou as regras dos media. A revista Cinevue chamou-lhe “um retrato sóbrio de um homem cuja principal preocupação sempre foi sua própria imagem”.
As curtas-metragens de Pettengill, à semelhança das suas longas, tentam examinar a forma como as narrativas americanas são contadas – e muitas vezes distorcidas – ao longo do tempo. Por meio de imagens de arquivo meticulosamente montadas, “The Rifleman” revela as raízes da National Rifle Association, das brigadas de fronteira [Border Patrol] e da influência inflexível do lobby das armas na política norte-americana. Na curta de 2018, “Graven Image”, Pettengill usa mais de 100 anos de imagens de arquivo para reflectir sobre Stone Mountain, o maior monumento nacional dedicado à confederação americana. Em “The Business Of Thought: A Recorded History Of Artists Space”, organiza um percurso pela história oral do Artists Space, organização nova-iorquina fundada em 1972, com o intuito de auxiliar artistas emergentes, à margem do sistema dos museus e das galerias comerciais.
PROGRAMA “TRADUÇÃO TRANS-TEMPORAL”:
OS FILMES DE ARQUIVO DE SIERRA PETTENGILL
Graven Image, USA, 10′, 2017, DOC
Riotsville, USA, USA, 91′, 2022, DOC
The Business Of Thought: A Recorded History Of Artists Space, USA, 11′, 2020, DOC
The Reagan Show, USA, 75′, 2017, DOC
The Rifleman, USA, 18′, 2020, DOC
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