É, depois da publicação em 2020 de “Princípio de Karenina”, o segundo romance de Afonso Cruz na série Geografias, colecção que tem numa viagem ou num lugar a sua inspiração. No caso de “Sinopse de Amor e Guerra” (Companhia das Letras, 2021), que parte de uma história real, o lugar é a Berlim do pós-guerra, cidade na qual os alicerces e a construção de um muro servem de combustível para uma história de amor e desamor, onde a ética e a moral se verão encostadas à parede – ou, neste caso, ao muro.
“Encontrei-me com Christian Uhl na estação de Wannsee, para falarmos do Muro e da sua vida em Berlim Oriental, em especial nos primeiros anos da década de 60, o que me ajudaria a contextualizar a história que queria contar. Ele esperava-me na plataforma da estação de comboios, com um sorriso que se adivinhava debaixo da máscara.”
A história que aqui se conta não é, esclareça-se, a de Christian Uhl, mas sim a de Theobald Thomas, filho de Rosamund e Walden Thomas. Theobald que, aos três anos, disse a sua primeira, estranha e inesperada palavra – Bluma -, deixando adivinhar o início de uma história de amor predestinado, exactamente “como os amantes nos contos de fadas”. Uma história contada a Christian Uhl pelo seu pai, que recordava a mãe de Theobald como “meticulosa, bastante meticulosa”.
Theobald e Bluma, ele dois anos mais novo do que ela, faziam um par sui generis. Se Theobald preferia os reflexos oferecidos pelas poças de água, Bluma sabia de cor poemas inteiros e excertos de livros, muitos deles descobertos na livraria do tio de Thomas. A 13 de Agosto de 1961, porém, tudo muda na vida de ambos, com o surgimento de “uma parede que era a prefiguração da morte”, e que adiará por tempo indeterminado o primeiro beijo.
Do lado contrário a Thomas, com o amor interrompido por uma montanha de betão, Bluma escreve “para desmontar a natureza imperscrutável do espírito humano”. Quanto a Thomas, parece estar disposto a seguir em frente, mesmo que para isso tenha de escolher um amor que nunca será completo.
Tal como na insensibilidade da guerra, “Sinopse de Amor e de Guerra” não dispensa os efeitos colaterais e alguma crueldade, tudo em nome de um amor maior que terá de viver com alguma mágoa. Amor que, ao contrário de um poema de Petrarca, surge aqui com a imagem de um combate quotidiano, o pensar jogo a jogo tão repetido pelos jogadores da bola, e que não dispensa, quando é preciso, o apanhar de um par de cuecas deixadas ao abandono no chão de um quarto.
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