O mercado editorial está mais do que nunca a “sofrer” o efeito bandwagon, um estrangeirismo bonitinho para uma expressão que talvez pegue: a maria-leitora-vai-com-as-outras. Com cada vez mais frequência, surgem os fenómenos, como OVNIS com luzinhas de néon a piscar ou tamagotchis que depressa se esquecem no fundo de uma gaveta, aqueles livros que toda a gente lê, que vendem como pãezinhos quentes e que depois acabam por implodir e ficar a acumular pó, nas prateleiras e na memória. Blake Crouch é um desses autores que arrastam turbas de leitores, que os levam a pular para a caravana do clube do best-seller e a encher os transportes públicos, as praias e as salas de espera de capas iguais, como se vivêssemos num regime autocrático de leituras obrigatórias. A religião do livro que toda a gente anda a ler chegou para ficar, um produto da nossa sociedade de consumo, seja de objectos ou de cultura.
A trilogia Wayward Pines é um exemplo dessa cultura do fenómeno literário, tendo já sido adaptada com sucesso à televisão pelo mestre do balão furado, M. Night Shyamalan. A inspiração dos livros? A fabulosa série de David Lynch, Twin Peaks, que o autor viu, como muitos de nós, numa idade influenciável e que marcou o seu imaginário, como fez com muitos de nós também. Quem se recordar da série identificará imediatamente a sua influência no primeiro volume de Wayward Pines, com o título previsivelmente irónico de “Paraíso” (Suma de Letras), mas ficará a pensar, e com razão, que a cidadezinha de Crouch é um sucedâneo da de Lynch. Estranha, sim, mas sem a gloriosa bizarria Lynchiana. Esta introdução não será a mais abonatória, mas a verdade é que o efeito de fenómeno desta trilogia tem uma explicação e é tão básica quanto inegável: Wayward Pines é altamente viciante.
A escrita é razoável, a pender para o medíocre, o estilo não é propriamente elegante, algumas situações são risíveis, muitas personagens, incluindo o protagonista, têm uma certa falta de densidade psicológica, mas Crouch sabe contar uma história. Pode não ser a história mais original ou cativante que já se escreveu, mas a verdade é que temos aqui um livro muito difícil de pousar. Uma vez em Wayward Pines, só conseguimos sair quando o autor termina o volume. Sim, é assim tão viciante. Identificamos as influências óbvias sem o toque de mestre que as tornariam deliciosas, torcemos o nariz ao estilo deselegante, bufamos com os clichés, mas não conseguimos parar de ler. Isto porque, apesar de todas as falhas, é um livro competente no que se presta a fazer: criar uma trama envolvente e oferecer uma leitura que é um verdadeiro prazer. Prazer culpado para quem gostar de associar culpa ao prazer, mas inquestionável.
Acompanhamos febrilmente o trajecto do agente secreto Ethan Hunt, perdão, Ethan Burke, na sua missão impossível de sair ou pelo menos compreender aquele vilarejo sinistro com criancinhas à Village of the Damned e enfermeiras sádicas saídas de uma pornochanchada qualquer. Se lhe falta a gloriosa bizarria de Lynch, este livro é gloriosamente absurdo nas suas reviravoltas mais ou menos previsíveis à Lost. É isso que o salva e que o torna tão apetecível: não é uma sobremesa equilibrada e gourmet, é uma embalagem gigante de M&M’s que devoramos numa orgia de açúcares rápidos e gordura. Devora-se de uma assentada e fica-se a salivar por mais, na alegria de saber que há mais dois volumes à nossa espera para dar continuidade ao frenesim de engorda.
Crouch não nos afina o gosto, não nos torna leitores mais exigentes, não nos deslumbra com a sua arte, nem sequer nos oferece propriamente literatura, mas diabos nos levem se o homem não nos entretém e diverte. Não é Lynch, é série B, mas quem quiser arte, que vá ler Flaubert. Para quem quer um livro totalmente escapista, sem desculpas e sem culpa, tem aqui o seu paraíso, na cidadezinha de Wayward Pines, de onde só se sai ao fim de três volumes.
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