Em 2022, entre os dias 28 de Abril e 8 de Maio, o IndieLisboa volta a ocupar as salas do Cinema São Jorge, Culturgest, Cinemateca Portuguesa e Cinema Ideal. Uma edição que contará com uma retrospectiva da realizadora norte-americana Doris Wishman (1912-2002) e uma variada selecção de filmes no IndieMusic, sobre divas mainstream, heróis do underground ou lendas das pistas de dança.
“Depois de morrer, estarei a fazer filmes no inferno!“, afirmava a lendária realizadora norte-americana Doris Wishman (1912-2002), que chega este ano ao IndieLisboa. Doris passou meio século na vanguarda da má reputação, tornando explícito com o seu cinema aquilo que não era permitido à imagem. Autodidacta, construiu sozinha a sua carreira, produzindo, realizando e montando a maior parte dos filmes que compõem a sua filmografia – e que serão apresentados em retrospectiva, nesta edição do Indie, em conjunto com a Cinemateca Portuguesa.
Doria estreou-se em 1960 e tornou-se pioneira da sexploitation feminina no cinema ao longo da década. Começou por produzir os chamados nudie cuties, dos quais se destaca “Nude on the Moon” (1961), uma longa-metragem de fantasia científica que leva dois astronautas a descobrir uma colónia de nudistas na lua.
O crescente desinteresse do público pelo estilo fez com que a cineasta mudasse o rumo do seu cinema e seguisse o caminho dos roughies, um sub-género popular à época que combinava desejo e violência – e que, em Wishman, acabou por denunciar um olhar sobre o que significa ser mulher. Com o frenético “Bad Girls Go to Hell” (1965), a sua obra-prima por excelência, hostilidade para com as mulheres e tentações pervertidas tornaram-se temas recorrentes. Audaciosamente eróticos e de carácter proto-feminista, fazem ainda parte da sua lista de filmes mais conhecidos os títulos “Deadly Weapons” (1974), “Double Agent 73” (1974), ou o semi-documentário “Let Me Die a Woman” (1978).
Afastou-se da indústria nos anos oitenta e a artista Peggy Ahwesh foi reencontrá-la em Miami, em 1994, a trabalhar numa sex shop. Uma “mulher obcecada com os temas do estatuto social e liberdade feminina, o drama contemporâneo do medo, desconfiança e o desafio entre os sexos“. É assim que Ahwesh descreve, na sua zine The Films of Doris Wishman – produzida pela primeira vez em 1995 -, o cinema daquela que, até à data, é a cineasta mulher com mais filmes realizados. Peggy Ahwesh irá estar em Lisboa, durante o festival, para acompanhar a retrospectiva que, este ano, mostra cinema só para adultos.
Quanto ao IndieMusic, está de volta com uma selecção de filmes que fazem a ponte entre a música e o cinema, e o espectro não podia ser mais vasto. Ha filmes sobre divas mainstream, heróis do underground ou lendas das pistas de dança.
A abrir a competição está “Cesária Évora”, de Ana Sofia Fonseca. Nome maior da morna, a diva cabo-verdiana é um exemplo de quem lutou toda a vida contra preconceitos. Através da cantora, o documentário cruza vários contextos sociais e políticos.
Do Mindelo para Nova Iorque: “Patti Smith, Electric Poet”, de Anne Cutaia & Sophie Peyrard. 50 anos de carreira, apenas um hit e zero vontade de jogar pelo seguro.
Ainda em Nova Iorque, “Songs For Drella”, performance de Lou Reed e John Cale captada em 1991 por Ed Lachman, que o Indie mostra em versão restaurada. O filme-concerto do duo ex-Velvet Underground acompanha o disco com o mesmo título, baseado numa série de peças inspiradas pelo mentor de ambos, Andy Warhol.
Mais jovem mas igualmente icónica, Courtney Barnett é o foco de “Anonymous Club”, a antítese de uma biografia rock de Danny Cohen. O filme mostra uma cantautora enigmática, uma reclusa a lidar com a aclamação do público.
Em “Nothing Compares”, Kathryn Ferguson traça um paralelismo sobre a carreira de Sinéad O’Connor e o passado turbulento da Irlanda, onde nasceu, focado especialmente no período entre 1987, ano em que editou o seu disco de estreia, e 1992, quando rasgou uma fotografia do Papa João Paulo II em directo no SNL.
“Rewind and Play”, de Alain Gomis, parte de uma entrevista de Thelonious Monk à televisão francesa em 1969, para mostrar um homem em luta constante, tanto contra os preconceitos como contra as expectativas construídas sobre a sua música e identidade.
Do palco para as pistas, “Italo Disco. The Sparkling Sound of the 80s”, de Alessandro Melazzini, leva-nos para a música de Sabrina e La Bionda e o imaginário muito particular do Italo Disco, com os seus ritmos 4/4 agressivos e sintetizadores eufóricos.
Na pista, mas num recanto mais escuro, “Laurent Garnier: Off the Record”, de Gabin Rivoire, traça a longa carreira do DJ/produtor francês, um dos maiores nomes da explosão house dos anos 90.
Mais recente mas não menos dançante, “Batida Apresenta: The Almost Perfect Dj”, de Pedro Coquenão, uma curta baseada na performance com o mesmo título. Ainda na música electrónica, mas agora numa toada muito mais experimental, os Telectu, de Vítor Rua e Jorge Lima Barreto, aterram no IndieMusic com “Sonosfera Telectu”, em estreia mundial e realizado por Vasco Bação, Ilda Teresa Castro e pelo próprio Vítor Rua. O filme acompanha, de forma imersiva, a vida na estrada do duo vanguardista, durante os anos 80 e 90.
Continuamos na música exploratória com “A Escuta”, de Inês Oliveira, também em estreia mundial, que acompanha um dos nomes mais importantes da música experimental portuguesa: o violinista Carlos Zingaro, que também actua no dia de exibição, na Culturgest.
Na música experimental mas mais underground, Alexandra Cabral & Ian Svenonius, o antigo vocalista dos míticos The Make-up e Nation of Ulysses, exploram o cinema conceptual com “The Lost Record”. O filme pensa a ideia da obra de arte enquanto catalisador de mudança revolucionária e a capacidade que a obra tem de se tornar golem ou Frankenstein, algo que o próprio criador já não controla. Ainda no âmbito do IndieLisboa, a dupla actua no Musicbox com o projecto Escape-ism, a 6 de Maio.
Por fim, “Love, Deutschmarks and Death”, de Cem Kaya, documenta a desconhecida cena musical resultante da emigração turca para a Alemanha, perpetuada ainda pelos netos dessa primeira vaga de emigrantes.
Muita música para descobrir nesta série de filmes, que é o primeiro avanço desta secção. O júri desta edição é composto pelo radialista Ricardo Mariano, da Rádio SBSR, a artista visual e compositora Diana Policarpo e Francisca Salema – ou Sallim -, artista multidisciplinar que associamos à editora lisboeta Cafetra, com quem editou dois discos a solo.
Esta será a décima nona edição do IndieLisboa, que decorre de 28 de Abril a 8 de Maio. A playlist IndieMusic 2022 já está disponível no Spotify para abrir o apetite para o que aí vem.
Sem Comentários