Se pensa procurar a obra «Sr. Sherlock Holmes» (Topseller, 2015), de Mitch Cullin, nos escaparates de mistério, desengane-se. Ele deverá estar antes arrumado na categoria dos romances. Corre o ano de 1947. Sherlock, agora com 93 anos, está há muito afastado da resolução de mistérios, e o seu companheiro John Watson já não se encontra no mundo dos vivos.
Não é um livro fácil de descrever e, no final da leitura, ficam sentimentos algo contraditórios. A componente “mistério” até lá está, mas falta-lhe algum aprofundamento. Sherlock ainda conserva alguma capacidade de dedução dos factos, apesar da idade. Mas a memória falha-lhe e, em determinadas alturas, não consegue distinguir o que é realidade e o que é fruto da sua imaginação. São, contudo, extremamente interessantes os seus diálogos e observações. E a linguagem da época, formal e educada, cativa bastante a leitura. A questão da falta de desenvolvimento nota-se mais quando é dado a conhecer o manuscrito de 50 anos, inacabado, de um caso nunca solucionado. O manuscrito é talvez a parte que desperta mais interesse do livro. No entanto, a explicação do sucedido fica um pouco abaixo das expectativas. Pensando bem, não poderia ser de outra forma. Afinal, como é que se resolve um caso tantos anos depois e num tempo em que não havia a tecnologia que hoje conhecemos?
Por outro lado, é precisamente a forma como Sherlock dá o caso por encerrado que nos faz pensar que ele existiu mesmo. Que não terá sido apenas um detective extremamente perspicaz que saiu da cabeça e da pena de Sir Arthur Conan Doyle, mas antes um homem que envelheceu e perdeu capacidades como qualquer outro.
Não se pense que é só do manuscrito que o livro fala. Nele é relatado o modo de vida actual de Sherlock, que há muitos anos vive fascinado com a criação de abelhas na sua casa de campo, longe da famosa Baker Street. E também é contada detalhadamente a sua recente viagem ao Japão. No âmbito da sua rotina atual, conhecemos a caseira e o seu jovem filho. Ao longo da narrativa, este vai adquirir uma importância determinante e vai, ele próprio, estar envolvido num mistério.
As abelhas, as suas características e curiosidades são exploradas em longos e demorados parágrafos. Eis um ponto que pode, para muitos, tornar estes capítulos um pouco aborrecidos, se o leitor não se interessar o suficiente pelo assunto. Outro tema demasiadamente detalhado é a viagem ao Japão. É certo que o leitor vai gostar de conhecer a história pessoal do Sr. Umezaki, mas são por vezes extensas as descrições de assuntos que apenas indirectamente têm algo relacionado com a história principal.
Apesar de não ser um livro com muitas páginas, fica a ideia de que poderia ter sido um pouco mais condensado, sem que com isso se perdesse a essência do que o autor pretende transmitir. Ainda assim é uma leitura interessante, um pouco nostálgica, com momentos muito tristes a espaços e com outros de puro deleite.
Para que o leitor não se sinta desavisado, fique ciente de que o detective Sherlock Holmes de Sir Arthur Connan Doyle já se reformou há muito. Quem vai encontrar nestas páginas é um homem idoso, em declínio, que vive de memórias, fuma charutos e se dedica com paixão à apicultura.
NOTA: O livro foi recentemente adaptado ao cinema pelo realizador Bill Condon.
Ian McKellen é o Sr. Holmes, Laura Linney a caseira e Hiroyuki Sanada o Sr. Umezaki.
O filme, que tem a classificação de 7,5 no IMBD, está em exibição num cinema perto de si.
1 Commentário
Vi o filme e agora andava à procura de uma opinião sobre o livro pois estou a pensar comprá-lo para oferecer. O que achei curioso é que também eu queria mais sobre o caso do manuscrito! A viagem ao Japão no filme é apenas um parágrafo! Eu já sabia que ia assistir mais a um estudo sobre a passagem da idade e o remorso do que à solução de um mistério. Aconselho o filme pela estupenda interpretação do protagonista, sobretudo isso, embora a reconstituição histórica seja primorosa e tudo o mais. E o filho da caseira também é um pequeno grande actor, são excelentes as cenas em que estão juntos.