Os últimos anos têm sido, isto no que à edição nacional diz respeito, felizes para o canadiano Jeff Lemire, que tem visto séries como Gideon Falls, Descender, Ascender ou as obras Roughneck – Um Tipo Duro e Berserker Exilado chegarem às livrarias portuguesas, todas com o selo da G. Floy. É também o caso de “Family Tree” (G. Floy, 2021), que conta com argumento de Lemire e arte da tripla Phil Hester, Eric Gapstur e Ryan Cody, e que reúne em capa dura os doze números da série original.
“Olhando para trás, é fácil ver quando começou o fim do mundo. O mundo começou a acabar a 14 de Março de 1997”. Uma exactidão que, na altura, nem o mundo ou a própria narradora se deram conta, naquele que era “só mais um dia de merda como qualquer outro dia de merda em Lowell, no Maine”.
No centro da acção está a pequena Meg, que está a transformar-se numa árvore a uma velocidade alucinante. Algo que tinha já acontecido anteriormente com o seu pai, que abandonou a família e preferiu procurar refúgio junto do pai alcóolico, com quem estava desavindo há anos.
Perseguidos por uma seita de mercenários que junta o espírito de culto à atitude de gangster, Meg irá percorrer, já meio adormecida, boa parte da América, na companhia da mãe Loretta – sempre zangada com o mudo -, do irmão Josh e do avô Judd – sempre de garrafa e muitas vezes de caçadeira na mão -, tentando salvar o que resta da sua humanidade antes das raízes se formarem.
Uma história onde se escutam vozes do além e que, tal como se lê a certa altura, é qualquer coisa como “um sonho molhado do William S. Burroughs e do David Cronenberg”, na qual a natureza desempenha um papel predatório e metafórico – ainda que a metáfora não esteja lá muito bem sinalizada. Um livro onde a ameaça de extinção se vê virada de cabeça para baixo, e que mostra até onde estamos dispostos a ir para salvar aquilo que nos é mais próximo, mesmo que tal implique reatar laços familiares há muito desfeitos. Olhando para as outras séries assinadas por Lemire, esta será muito provavelmente a mais fraquinha, ainda que a arte mereça uma espreitadela.
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