O projecto editorial Cidade Participada: Arquitectura e Democracia, que conta com o selo da Tinta da China, é uma colecção composta por dez volumes dedicados ao Serviço de Apoio Ambulatório Local /SAAL que, entre 1974 e 1976, encostou a arquitectura à democracia dividindo o país em três geografias: SAAL/Norte, SAAL/Lisboa Centro-Sul e SAAL Algarve.
Depois de Oeiras e do Bairro de S. Victor (Porto), o terceiro volume da colecção regressa ao Porto, agora para recordar a intervenção realizada no Bairro das Antas, sob a orientação do arquitecto Pedro Ramalho e uma equipa constituída por um grupo de então jovens estudantes finalistas e arquitectos – como Augusto Costa, Francisco Machado Lima, José Lencastre, Mário Fróis Amaral, Pedro Borges de Araújo, Teresa Fonseca e Vítor Bastos.
Pedro Ramalho, do qual se inclui um texto originalmente publicado em Itinerário (FAUP Publicações, 1990), defende que “a nossa cultura não pode ser definida somente pelas grandes realizações. Tão importantes como as obras representativas de um determinado período, são as «marcas» que os homens construíram formando um quadro urbano ou rural: casas, ruas, praças, fontanários, pontes, etc”. Considerando ser essencial conhecer o passado para poder entendê-lo como presente, é da opinião de que “o arquitecto tem de estar consciente dos valores culturais que devem ser criticamente considerados como precedentes”. Dos anos 1960 e dos bairros económicos da cidade do Porto, recorda a “marginalização das populações, o mesmo desenraizamento social, os mesmos factores económicos predominando em detrimento da qualidade do fogo e do plano estético”.
Sobre a operação SAAL e o seu tempo, Pedro Ramalho fala de “um período revolucionário apaixonante, vivido não só pelas brigadas, mas também pela comunidade. Daí que tenha havido uma total comunhão, uma convergência de interesses, o que levou a um diálogo muito fácil”, sem conflitos, no qual o âmbito profissional da arquitectura abarcou carências populacionais como creches ou equipamentos de lazer, que não faziam parte destas comunidades fechadas à cidade, nas quais os homens se transformaram também em operários da mudança. O que veio a resultar num “momento único de libertação” onde havia, na saída de longos anos de repressão e obscurantismo, “uma enorme sensação de liberdade, e fundamentalmente uma esperança muito grande de transformação da sociedade”, e que mostrou uma nova forma de encarar a realidade humana e a missão – talvez primeira – da arquitectura: “Porque é para as pessoas que projectamos”.
Com mais uma paginação de primeira água, este é um documento histórico e político que inclui fotografias, cartazes, mapas, plantas e palavras de ordem – como “casas sim, barracas não”, resgatando-se também textos diferenciados já publicados no estrangeiro ou de restrita divulgação. Uma colecção para ser lida mesmo por aqueles que não sabem assentar um tijolo, pintar uma parede ou usar um nível.
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