“Ao longo de mais de nove séculos, os Habsburgos produziram simplórios e visionários, aprendizes de feiticeiro e da maçonaria, fanáticos religiosos, governantes dedicados ao bem-estar do seu povo, patronos da arte e campeões da ciência, construtores de grandes palácios e igrejas. Alguns Habsburgos dedicaram-se à paz, enquanto outros embarcaram em guerras infrutíferas.”
Estas palavras de Martyn Rady surgem na conclusão do seu impressionante livro “Os Habsburgos: Ascensão e queda de uma potência global” (Temas e Debates, 2021), mas ficariam igualmente bem na introdução, tal é o seu poder de síntese do conteúdo da obra: quase mil anos de história de uma família que desempenhou um papel crucial no palco mundial.
Segundo o autor, “a ascendência dos primeiros Habsburgos só pode ser seguida até ao final do século X”, quando viviam numa área da Europa Central que hoje se encontra dividida entre a Alemanha, a França e a Suíça. Porém, isso não os impediu de mitificarem as suas origens, em nome de um projecto de conquista de estatuto social e poder político, não desdenhando a falsificação oportuna de documentos.
Gradualmente, esta família da nobreza rural ascendeu até alcançar o trono de um império que foi mudando de nome ao longo dos tempos – de Sacro Império Romano-Germânico para Império Austríaco, e daí para Império Austro-Húngaro – e que, no seu auge, se estendia de Portugal à Hungria, abarcando ainda terras do Novo Mundo. Tal proeza resultou, sobretudo, de uma política matrimonial astuta, aliada à sorte biológica na geração de herdeiros. Quando começaram a predominar os casamentos consanguíneos – incluindo entre primos directos e entre tios e sobrinhas –, potenciadores de deformidades e doenças genéticas, tanto físicas como mentais, essa sorte começou a esgotar-se, mas então já lhes permitira, durante séculos, beneficiar com a extinção de outras linhagens às quais se uniam, absorvendo-lhes as posses.
Dotada de uma consciência histórica e de um conjunto de crenças sobre si própria, a família Habsburgo transformou-se numa dinastia e desenvolveu toda uma iconografia para se representar, até mesmo nos distantes territórios ultramarinos. Contudo, em vez de uma entidade unificada, o império era uma associação de territórios com diferentes “direitos e liberdades”, onde não era fácil gerir os movimentos nacionalistas. A diversidade linguística era tão grande que, já no século XX, no dealbar da Primeira Guerra Mundial, a mobilização das forças armadas imperiais foi anunciada por cartazes escritos em quinze idiomas diferentes.
O último ano desta guerra, 1918, foi também marcado pelo colapso do Império Habsburgo, para o qual a derrota implicou a desagregação. É aqui que o livro termina, deixando o leitor a lamentar o fim desta empolgante viagem no tempo, onde cada capítulo é como um episódio de uma saga épica, povoada por figuras peculiares, construtoras e presas das teias da História. Ao descrever intrigas, ciclos económicos, conflitos religiosos, guerras internacionais e o sucessivo redesenhar do mapa da Europa, a erudição notável de Rady alia-se a uma escrita fluida, mantendo viva a curiosidade do leitor e levando-o a encontrar paralelismos entre as luzes e as sombras do passado e as de hoje.
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