Em Setembro de 1938, a política expansionista do chanceler alemão, Adolf Hitler, agita a Europa. Após a anexação da Áustria e a recuperação dos territórios da Renânia, perdidos em consequência da derrota sofrida na Primeira Guerra Mundial, a Alemanha exige parte da Checoslováquia, nomeadamente a região dos Sudetas, onde grande parte da população é germanófona. O governo checoslovaco rejeita a desagregação do seu país e apela aos aliados, mas a França e o Reino Unido estão dispostos a apaziguar Hitler, acreditando que assim evitam uma nova guerra. É este o contexto em que se desenrola “Munique” (Editorial Presença, 2020), um thriller político de Robert Harris.
Logo no primeiro capítulo, mergulhamos na azáfama dos serviços governamentais britânicos, cujos procedimentos e hierarquias podem parecer confusos a leitores não familiarizados com essa realidade. Porém, a estranheza depressa é ultrapassada, à medida que a acção se torna mais envolvente. Para isso contribui a empatia suscitada pelos dois protagonistas, Hugh Legat e Paul von Hartmann, cujas perspectivas acompanhamos alternadamente. O primeiro é um inglês de 28 anos, secretário do Serviço Diplomático de Sua Majestade e filho de um militar morto em França durante a Primeira Guerra Mundial. O segundo é um alemão um ano mais velho, que travou amizade com Legat durante o tempo em que ambos estudavam na Universidade de Oxford e que agora trabalha no Ministério dos Negócios Estrangeiros germânico. Cada um acompanha a comitiva do seu país na viagem para Munique, onde terão lugar negociações cruciais. Legat serve fielmente o seu primeiro-ministro, Neville Chamberlain, que está determinado a fazer tudo para manter a paz, mas Hartmann integra um movimento de oposição ao regime nazi que deseja evitar qualquer acordo com o Reino Unido, por acreditar que o desencadear de uma guerra nessa altura lhes permitirá derrubar Hitler.
A narrativa decorre ao longo de quatro dias intensos que culminam na assinatura do Acordo da Munique e o conhecimento prévio da História não a torna menos empolgante. O autor sabe ancorar bem a ficção entre factos verídicos e recria com esmero o ambiente de “antiquado clube de cavalheiros” que predominava nas sedes do poder, com as suas pequenas rivalidades e acordos secretos. A crítica ao comportamento das massas, que “acreditavam naquilo que queriam”, com maior ou menor manipulação por parte dos meios de comunicação social, também está presente. É interessante ler que a opinião pública de 1938 considerava o Primeiro-Ministro Chamberlain “o herói do momento”, graças à sua atitude pacificadora, sabendo hoje como a sua política de apaziguamento em relação a Hitler passou posteriormente a ser criticada.
Em vários momentos da leitura, é impossível deixarmos de especular acerca do mundo que hoje teríamos se a História fosse diferente. Na memória, persistem as palavras do historiador F. W. Maitland, citado no início do livro: “Devíamos ter sempre presente que aquilo que hoje é passado já foi um dia futuro”.
Sem Comentários