Em 2001, o escritor canadiano Douglas Coupland transformava uma grande verdade no título de um dos seus romances: “Todas as famílias são psicóticas”. Uma frase que poderia bem ser gravada em cinco azulejos de casa de banho, entregues, depois de cozidos, a cada um dos irmãos Centobucchi, um quinteto de emigrantes italianos que oferece uma visão trágica sobre a história da América moderna.
Com argumento de Carlos Trillo e arte a preto e branco de Domingo R. Mandrafina, a série Spaghetti Bros começou a ser publicada em 1992. “Spaghetti Bros: Livro Um” (Arte de Autor, 2020), publicado na recta final de 2020 com o selo da Arte de Autor, é o primeiro de quatro volumes que irão reunir a série completa, em capa dura e grande formato, cada um deles compilando 4 dos 16 tomos desta série noir que se movimenta nas linhas de um triângulo onde são a Máfia a Polícia e a Igreja a mandar nos vértices.
Amerigo Centobucchi é o mais temível deste grupo de irmãos – e o mais velho -, um tipo desprezível, machista, asqueroso e violento, com um notório Complexo de Édipo, que comanda um dos mais implacáveis grupos mafiosos de Nova Iorque dos anos 1930 – mas sem o estilo, o requinte ou o código de honra a que nos habituámos a ver nas melhores caricaturas hollywoodescas. Alguém que ficou traumatizado com a morte da mãe, ocorrida quando deu à luz o filho Tony, que Amerigo desde então passou a tratar como um assassino, aproveitando cada ocasião para lhe dar uns amassos – pelo menos enquanto a diferença de idades e de crescimento assim o permitiram.
Nos Estados Unidos, terra de segundas oportunidades, Amerigo seguiu a via do crime, enquanto Tony ganhou músculo e se tornou num polícia aparentemente algo ingénuo. A completar o quinteto de irmãos há também Frank, um padre pouco comum que, quando vê a mostarda chegar perto do nariz, não tem medo de usar o crucifixo como arma de arremesso; Caterina, uma actriz de cinema que chegou ao topo vendendo a alma e o corpinho; e Carmela, uma aparente dona de casa aborrecida, com vários filhos a cargo, que enquanto o mundo dorme mata o tédio de forma pouco habitual: “Sou apenas uma mulher entediada à procura de alguma pequena emoção”.
Em Spaghetti Bros, Carlos Trillo criou uma família disfuncional de cinco irmãos, incapazes de seguirem caminhos separados, presos a segredos e mordendo sentimentos de culpa, numa teia de relações onde domina a caricatura, o exagero, o caos absoluto e onde há litros e litros de sangue italiano, que aqui se encontra num estado de constante fervura. Mandrafina desenha com primor este mundo onde o sexo e a violência andam de mãos dadas, numa saga familiar onde os ajustes de contas devem estar para muito breve.
Trillo e Mandrafina, ambos argentinos, iniciaram a sua colaboração nos anos 1980, então no universo do policial noir. A primeira joint venture recebeu o título de “Los misterios de Ulises Boedo” e, mais tarde, realizaram uma série de histórias mudas publicadas na revista Superhumor, para além da série El husmeante, desenvolvida para a publicação Don. “Piñón Fijo”, “Peter Kampf lo sabía”, “Cosecha verde” (publicado ente 1989 e 1991 na revista Puertitas), “El Iguana” (que continua a história de Cosecha verde) e Spaghetti Brothers são outras aventuras desta dupla.
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