“Um Espião Entre Amigos – Kim Philby e a Grande Traição” (D. Quixote, 2020) biografia de Kim Philby (1912-1988), o famoso agente duplo do topo da hierarquia do MI6 no decurso da Grande Guerra e durante a Guerra Fria, é – justamente – considerada como a “definitiva” deste intrigante e misterioso espião britânico.
A obra encerra um brilhante exercício histórico deste período, no âmago dos Serviços Secretos britânicos e americanos, incluindo quarenta e quatro páginas de notas explicativas e bibliográficas. Ben Macintyre, colunista norte-americano e editor associado no “The Times”, impôs a si próprio um exaustivo e rigoroso trabalho de pesquisa e investigação, ancorado num acervo documental e fotográfico fascinante, que reconstitui os actos de contra-espionagem perpetrados por esta “toupeira” dos serviços secretos britânicos ao serviço de Moscovo.
As figuras proeminentes do livro, Kim Philby e Nick Elliott, foram agentes dos serviços secretos britânicos, oriundos de prestigiadas universidades de elite e amigos íntimos há mais de trinta anos, aos quais se juntou o americano James Angleton, pertencente à CIA. Tanto Elliott como Angleton desconheciam o mundo dúplice, carregado de falsidades e manipulações, de Philby, que reunia informações cruas sobre ambos destinadas ao KGB.
A obra mostra, de forma notável, as areias movediças morais e éticas do mundo da espionagem. A narrativa, sobretudo após o escândalo da dupla deserção de toupeiras ao serviço dos soviéticos (Burgess e Maclean), ganha uma densidade psicológica intensa, pela dúvida instalada nos SS britânicos e americanos sobre a eventualidade de Kim Philby ser, também, um espião soviético.
Os intensos e pesados interrogatórios a que este foi sujeito (no seio do MI5 e MI6 ) foram inconclusivos, e a dúvida arrastou-se por anos, não impedindo a colocação de Philby em Beirute onde esteve até 1963, ano em que finalmente Elliott conseguiu confrontá-lo e obter da sua parte uma confissão parcial dos factos. Após este confronto, dá-se o conhecido “desaparecimento” de Philby para Moscovo.
O posfácio de John Le Carré, que conheceu Nick Elliott quando ambos trabalharam no MI6, fala de uma conversa mantida entre os dois “num fim de tarde de 1986”, vinte e três anos depois da confissão parcial de Plilby, em que Elliott lhe abriu o coração magoado e traído, expondo os seus sentimentos de ultraje e dor.
Le Carré menciona que nessa e em ulteriores conversas com Elliott chegou a tomar notas, e admitiu a si mesmo escrever um romance baseado na relação Philby-Elliott, feita de “afecto mútuo e devastadora e inexorável traição”: “Em 1987, dois anos antes de o muro de Berlim ser derrubado, estava de visita a Moscovo. Numa festa oferecida pelos escritores da União soviética, um jornalista em tempo parcial com ligações ao KGB, chamado Genrick Borovik, convidou-me a ir a sua casa conhecer um velho amigo e admirador do meu trabalho(…). Era Kim Philby(…). Recusei-me a encontrar-me com ele. O Elliott ficou satisfeito comigo (…) mas no íntimo talvez esperasse que eu lhe trouxesse notícias do velho amigo”.
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