Como nos conta Maria Teresa Dias Furtado, chamavam-se livros de horas aos breviários usados pelos sacerdotes, amplamente difundidos do século XII ao VVI, que continham orações para determinados momentos do dia.
“O Livro de Horas” (Assírio & Alvim, 2020) de Rainer Maria Rilke era um pouco diferente, concebendo Deus como devir que se processava em paralelo com o deus de cada eu particular, tratando de mostrar piedade perante a potência criativa – algo que terá marinado em si após as duas viagens que fez à Rússia, a partir das quais passou a considerar esta a sua pátria espiritual, muito pela religiosidade das pessoas simples que por lá diz ter descoberto.
Livro mais conhecido de Rilke, “O Livro de Horas” contém, qual matrioska poética, três diferentes livros: O Livro da Vida Monástica, onde os poemas correspondem a uma elevação da alma a Deus e à estética dos ícones, num registo “poético e não religioso”; O Livro da Peregrinação, que corresponde a uma fase em que Rilke procura reagir a uma “profunda crise existencial e criativa”; e O Livro da Pobreza e da Morte, que parte da ideia que que fora ambas “desprovidas do seu sentido autêntico, deformadas e privadas de reconhecimento”.
Há, também, um olhar de Rilke sobre os contrastes de uma época e da sua sociedade, mesmo que, como se lê no prefácio, “os seus pobres não sejam socialmente definidos e ele faça depender a salvação dos mesmos da sua própria interioridade”. Afinal, pergunta Rilke, “Porque não desponta em sua vida crepuscular/ a grande estrela da Tarde da Pobreza?”. Orações podem não encher a barriga, mas estes versos de Rilke são alimento para a alma.
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