Sara David Lopes gosta de ler, passear, viajar, conversar e conhecer novas coisas. E, claro, de cinema. Licenciada em Antropologia pela Universidade Nova, é tradutora de filmes desde os seus 18 anos. Trabalhou nas televisões, no cinema, e é uma das três directoras da 7ª edição do Olhares do Mediterrâneo – Women`s Film Festival que, entre os dias 23 e 29 de Novembro, vai exibir a obra cinematográfica das mulheres da bacia mediterrânica. O Deus Me Livro pediu a Sara David Lopes para desenhar um pequeno itinerário, que resultou em dez propostas para Olhar o Mediterrâneo de forma diferente nos próximos dias.
Filmes de abertura e de encerramento
God Exists, Her Name Is Petrunya, de Teona Strugar Mitevska
A Thief’s Daughter, de Belén Funes
Em vez de falar de cada um dos filmes, prefiro falar do que para mim os aproxima. Sara e Petrunya – as suas protagonistas – são duas mulheres simples, batem-se por uma vida digna, encurraladas por constrangimentos sociais que as empurram para uma situação da qual não parece haver saída.
Involuntariamente, acabam por personificar a luta por uma mudança, num mundo machista em que as mulheres, sobretudo as mulheres mais simples, poucas hipóteses têm de sair do lugar que já lhes parecia estar destinado à nascença. Cada uma à sua maneira enfrentam as adversidades, com alguma teimosia até, acreditando que é possível concretizar os seus sonhos.
Somewhere, da israelita Lynn Laor, aborda com muita subtileza a questão da pedofilia. Lia e Noga, de dez anos, entretêm-se na brincadeira, numa bela tarde de Verão. Um encontro no parque infantil vem tingir de incerteza e insegurança as suas brincadeiras inocentes. Esta curta, da competição Começar a Olhar (filmes feitos em contexto de formação), trata um tema tão complexo e delicado com uma maturidade surpreendente.
Between Heaven and Earth, da palestina Najwa Najjar, leva-nos à boleia dum casal palestino que viaja para Israel em busca de um elemento necessário ao seu divórcio. Neste road movie, que serve de enquadramento a questões matrimoniais transversais a qualquer sociedade, descobrimos que os constrangimentos políticos sociais não foram de todo alheios ao afastamento do casal.
Why Is Mom Always Crying, da croata Karmen Obrdalj, é também um filme de escola, que nos mostra com uma enorme clareza e intimidade o impacto que a guerra da Bósnia e Herzegovina (1992-1995) teve nas dinâmicas familiares. Ena encontra cartas trocadas pelos pais e, através delas, faz uma descoberta dum amor que se revelava praticamente impossível.
Elsewhere, Everywhere, das realizadoras francesas Vivianne Perelmuter e Isabelle Ingold, é um dos filmes da secção Travessias. Documentário inteiramente feito a partir de imagens de câmaras web e de videovigilância, acompanha o desespero de um jovem iraniano à procura de asilo político na Inglaterra.
#387, da francesa Madeleine Leroyer, propõe-nos um projecto ambicioso e muito humanitário de reconhecimento post-mortem. O documentário, veículo da campanha #numbersintonames, acompanha o trabalho de uma equipa forense que pretende identificar os restos mortais do maior naufrágio jamais ocorrido no Mediterrâneo, em que pereceram oficialmente cerca de 800 pessoas. Através de fragmentos humanos e de objectos pertencidos às vítimas, entrevistas diversas e conversas com sobreviventes, a equipa tenta identificar passageiros e devolver-lhes a dignidade perdida no anonimato.
The Stamp, do croata Lovro Mrđen, é uma entrada dupla do Festival, pois concorre na secção Começar a Olhar e nas Travessias. Conta a história de uma separação, que se imagina tão habitual nesta Europa em que vivemos hoje, que por um lado acolhe e por outro separa. Um jovem sírio tem quatro dias para sair do país que o acolheu. A irmã, ainda menor, está numa instituição. A irmã pode ficar, ele não. Só se têm um ao outro. Num momento carregado de amor e aparente descontracção, Tamin tenta transmitir o que pode à irmã, sem lhe dar o peso da despedida. Fala-lhe das origens e dos pais, dá-lhe a única fotografia que tem dum passado irrecuperável que ele conhece, mas do qual ela mal guarda recordação. Separam-se com um abraço terno mas apressado, porque alheia ao drama ela só quer ir brincar com as amigas.
The Load, da italiana Giulia Giapponesi, apresenta-nos um mundo futuro em que – devido à quebra da natalidade – as mulheres são forçadas a ter filhos ou a enfrentar duras consequências. Esteticamente muito bem conseguido – e em quinze minutos muito equilibrados do ponto de vista narrativo -, esta curta consegue levar-nos a reflectir com humor sobre as questões que se prendem com o direito à maternidade ou ao direito de não ter filhos.
By a Hair, da dupla francesa Lauriane Escaffre e Yvonnick Muller, é uma das curtas que, através do humor, nos fala de questões tão pertinentes como o direito dos jovens a tornarem-se aquilo que querem, por oposição a seguir os desejos dos pais. Élodie quer ser esteticista, o pai tem um talho. Ele sonha vê-la a substituí-lo atrás do balcão, mas os sonhos dela encaminham-na para um futuro diferente. No confronto, ganha o amor e desenha-se a solução possível.
Por último, destaco as animações que este ano são em grande número e muito boas. Constituindo um quinto dos títulos da programação da 7ª edição do Festival, estão distribuídas por duas secções do Festival, Competição Geral Curtas (4) e Começar a Olhar (7) com produção de Portugal (6), França (2), Croácia (2) e Palestina (1), com temas que vão desde o ensino das boas maneiras ao querer partir sem ver como, passando por uma experiência extra-corporal, uma montanha-russa nas colinas de Lisboa ou a descoberta infantil numa tarde de Verão.
Boriya | Min Sung Ah
Claudete And The Cake | Fádhia Salomão
Between Heaven and Earth (Bayn Al Janaa Wa Al Ard) | Najwa Najjar
Sard | Zeina Ramadan
Being Uncanny | Filipa Alves e Maria Barbosa
Cellfie | Débora Mendes
o28 | Otalia Caussé, Geoffroy Collin, Louise Grardel, Antoine Marchand, Robin Merle
e Fabien Meyran
One Minute Show Time | Maria Clara Norbachs e Marisa Alves Pedro
Spaced Out (Izvan Sebe) | Stella Hartman
Stepless | Nadège Jankowicz
Still Life | Francisca de Abreu Coutinho
Toda a programação do Olhares do Mediterrâneo – Women`s Film Festival pode ser consultada no site oficial.
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