• Mil Folhas
  • Música Com Cabeça
  • Cine ou Sopas
deusmelivro
Andanças com Heródoto, Crítica, Deus Me Livro, Livros do Brasil, Ryszard Kapuściński
Mil Folhas 0

“Andanças com Heródoto” | Ryszard Kapuściński

Por Julia Martins · Em 01/10/2020

“Andanças com Heródoto” (Livros do Brasil, 2020) inicia com uma referência à grande figura da História Grega, Heródoto, que nos deixou o livro Histórias. Actualmente, a obra do historiador é reconhecida como inovadora, pois rompe com a tradição literária das crónicas. Amplia o conceito de história, relaciona-o com a etnografia e a antropologia.

Ryszard Kapuściński ouviu falar pela primeira vez em Heródoto no início da década de 50, durante o curso de História da Universidade de Varsóvia. Surpreendentemente, o livro de Heródoto, escrito há mais de dois mil e quinhentos anos, voltou a entrar na sua vida quando a chefe do jornal o chamou ao seu gabinete e disse: “Vamos enviar-te à Índia”. Desde então nunca mais saiu da sua vida, tendo-o acompanhado durante toda a sua existência.

A primeira viagem é uma memória difícil de se apagar, um marco na vida, como se pode comprovar pela narrativa do jovem e inexperiente jornalista polaco que nunca tinha atravessado a fronteira. Tudo começa sem grande preparação e apoio, mas com muita inquietação.

Num tom autobiográfico, Ryszard Kapuściński partilha algumas das suas viagens, nomeadamente a primeira que fez de avião e que terá sido inesquecível. Quem poderá ignorar o espanto de ver, pela primeira vez, da janela de um avião, uma cidade iluminada? “As poucas cidades e vilas que tinha conhecido até então eram lúgubres e escuras, sem montras de lojas iluminadas, sem publicidade multicolor e, ainda por cima, os escassos candeeiros de rua tinham lâmpadas fraquinhas”.

Kapuściński narra-nos de forma apaixonada a sua vivência como jovem jornalista, inexperiente, acabado de chegar à India. “O verdadeiro choque de civilizações aconteceu uma hora mais tarde quando saí do hotel. Do outro lado da rua, numa pequena e estreita praça, começaram a reunir-se os condutores de riquexós, homens encurvados com os ossos e as velas bem visíveis. (…) Eu não podia sequer suportar o pensamento comodamente num riquexó, puxado por um esqueleto humano esfomeado e fraco. A ideia provoca-me raiva, angústia e indignação. Ser explorador, aproveitar-me da miséria de outro?”. Esta foi a primeira de muitas angústias. A pobreza e qualquer tipo de opressão não são naturais, aos jornalistas cabe o papel de esclarecer, elucidar, dar a conhecer ao mundo tais situações. Kapuściński compreendeu o seu papel de repórter: não bastava descrever, era necessário edificar conexões, referenciar os contextos. Foi na Índia que tomou consciência desta aprendizagem para a vida. A Índia deixou-o complementarmente aturdido. Cresceu a vontade de fugir deste país, em tudo diferente do seu, mas tal não aconteceu. As informações e o conhecimento da Índia eram muitos escassos, os obstáculos da língua e o seu inglês era debilitado. Condenado a permanecer na Índia, devido à guerra do Suez, rapidamente entendeu que cultura e língua eram sinergias indissociáveis, e que a sua salvação residia na aprendizagem da língua. O domínio do idioma permitia não só comunicar mas, essencialmente, compreender os costumes, os modos de agir, as castas, as divindades, os mercados, as desigualdades. Os dias na Índia não eram só a descoberta de um país, mas fundamentalmente de um outro mundo.

Andanças com Heródoto, Crítica, Deus Me Livro, Livros do Brasil, Ryszard Kapuściński“Andanças com Heródoto” cruza brilhantemente o jornalismo com a literatura. Às viagens são adicionadas geografias geopolíticas, costumes, olhares, emoções e muitas leituras, nunca menosprezando o livro de Heródoto. Se as viagens ampliam o conhecimento, os livros são transformadores, e prova disso é a confissão de Kapuscinski: “Mesmo se, durante anos, não abrisse o livro, não esquecia o autor”, com quem aprendeu a avidez do conhecimento, a curiosidade, a inquietude, a descoberta de mapa-múndi, as fronteiras do espaço e do tempo e o amor às viagens como forma de conhecer a vida, o mundo e a si próprio. O jovem repórter Ryszard Kapuściński concretiza o desejo de partilhar com os outros o máximo daquilo que aprendeu e viveu, tornando-se num dos mais viajados jornalista polacos do século XX, escrevendo sobre dezenas de revoluções, guerras, batalhas, países, cidades, e pessoas. Muitas pessoas.

Ryszard Kapuscinski nasceu em 1932 na cidade polaca de Pinsk, hoje situada na Bielorrússia. Estudou História na Universidade de Varsóvia e, em 1955, começou a trabalhar como jornalista, escrevendo reportagens sobre a reconstrução da Polónia. Ainda nos anos cinquenta, foi pela primeira vez enviado como correspondente para a Ásia (Índia, Paquistão, Afeganistão) e para o Médio Oriente. Mais tarde, passou longos anos como correspondente em África e na América Latina. Considerado um dos grandes mestres do jornalismo moderno, Kapuscinski foi eleito em 1999 o melhor jornalista polaco do século XX e distinguido, em 2003, com o Prémio Príncipe das Astúrias de Comunicação e Humanidades. Em 2004 foi galardoado na Áustria com o Prémio «Bruno Kreisky para livros políticos». Em 2005 foi doutorado “honoris causa” pela universidade catalã Ramón Llull. Faleceu em 2007.

Andanças com HeródotoCríticaDeus Me LivroLivros do BrasilRyszard Kapuściński

Julia Martins

Pode Gostar de

  • Castelos Perigosos, Louis-Ferdinand Céline, Deus Me Livro, Crítica, E-Primatur, Mil Folhas

    “Castelos Perigosos” | Louis-Ferdinand Céline

  • Maia BD, Maia BD 2025, Deus Me Livro Mil Folhas

    Maia volta a receber o melhor da BD

  • A Hora Azul, Topseller, Deus Me Livro, Crítica, Paula Hawkins, Mil Folhas

    “A Hora Azul” | Paula Hawkins

Sem Comentários

Deixe uma opinião Cancelar

Siga-nos aqui

Follow @Deus_Me_Livro
Follow on Instagram

Mil Folhas

  • Castelos Perigosos, Louis-Ferdinand Céline, Deus Me Livro, Crítica, E-Primatur,

    “Castelos Perigosos” | Louis-Ferdinand Céline

    23/05/2025
  • Maia BD, Maia BD 2025, Deus Me Livro

    Maia volta a receber o melhor da BD

    22/05/2025
  • A Hora Azul, Topseller, Deus Me Livro, Crítica, Paula Hawkins,

    “A Hora Azul” | Paula Hawkins

    22/05/2025
  • Corpo Vegetal, Porto Editora, Deus Me Livro, Crítica, Julieta Monginho,

    “Corpo Vegetal” | Julieta Monginho

    20/05/2025
  • A Gigantesca Pequena Coisa, Deus Me Livro, Crítica, Orfeu Negro, Beatrice Alemagna,

    “A Gigantesca Pequena Coisa” | Beatrice Alemagna

    20/05/2025
Acha o Deus Me Livro diferente? CLIQUE AQUI.

Archives

  • May 2025
  • April 2025
  • March 2025
  • February 2025
  • January 2025
  • December 2024
  • November 2024
  • October 2024
  • September 2024
  • August 2024
  • July 2024
  • June 2024
  • May 2024
  • April 2024
  • March 2024
  • February 2024
  • January 2024
  • December 2023
  • November 2023
  • October 2023
  • September 2023
  • August 2023
  • July 2023
  • June 2023
  • May 2023
  • April 2023
  • March 2023
  • February 2023
  • January 2023
  • December 2022
  • November 2022
  • October 2022
  • September 2022
  • August 2022
  • July 2022
  • June 2022
  • May 2022
  • April 2022
  • March 2022
  • February 2022
  • January 2022
  • December 2021
  • November 2021
  • October 2021
  • September 2021
  • August 2021
  • July 2021
  • June 2021
  • May 2021
  • April 2021
  • March 2021
  • February 2021
  • January 2021
  • December 2020
  • November 2020
  • October 2020
  • September 2020
  • August 2020
  • July 2020
  • June 2020
  • May 2020
  • April 2020
  • March 2020
  • February 2020
  • January 2020
  • December 2019
  • November 2019
  • October 2019
  • September 2019
  • August 2019
  • July 2019
  • June 2019
  • May 2019
  • April 2019
  • March 2019
  • February 2019
  • January 2019
  • December 2018
  • November 2018
  • October 2018
  • September 2018
  • August 2018
  • July 2018
  • June 2018
  • May 2018
  • April 2018
  • March 2018
  • February 2018
  • January 2018
  • December 2017
  • November 2017
  • October 2017
  • September 2017
  • August 2017
  • July 2017
  • June 2017
  • May 2017
  • April 2017
  • March 2017
  • February 2017
  • January 2017
  • December 2016
  • November 2016
  • October 2016
  • September 2016
  • August 2016
  • July 2016
  • June 2016
  • May 2016
  • April 2016
  • March 2016
  • February 2016
  • January 2016
  • December 2015
  • November 2015
  • October 2015
  • September 2015
  • August 2015
  • July 2015
  • June 2015
  • May 2015
  • April 2015
  • March 2015
  • February 2015
  • January 2015
  • December 2014
  • November 2014
  • October 2014
  • September 2014
  • August 2014
  • July 2014
  • Contacto