Com a chegada do calor e das férias, muitos são os leitores que procuram um livro perfeito para os dias de preguiça e sol. Os policiais costumam ser uma boa opção e, quanto a Ian Rankin, é um autor que pode ser considerado um valor seguro para quem quer um romance que ofereça entretenimento de qualidade. “Uma Morte Impossível” (Porto Editora, 2015) corresponde a estes critérios, sendo altamente recomendável para os apreciadores do policial – e não só – e não apenas como leitura de verão.
Trata-se de um romance em lume brando, o que pode parecer uma apreciação envenenada, mas não é de todo o caso. A história não é propriamente inovadora – falamos de um policial, alguém tem de morrer e alguém tem de investigar –, mas é na forma como está construída que reside a sua originalidade. Malcolm Fox é um inspetor dos Assuntos Internos, chamado para investigar um caso aparentemente simples de má conduta por parte de quatro colegas. Porém, um assassínio vem colocar tudo de pernas para o ar, e o inspetor vê-se envolvido numa “escavação arqueológica criminal” com espiões, terroristas e rebeldes independentistas à mistura. Cabe aqui uma menção especial às várias observações feitas ao longo do romance para a questão da independência da Escócia, sobretudo se tivermos em conta o recente referendo e o seu resultado.
Mas qual é o verdadeiro motor de “Uma Morte Impossível”? A narrativa envolvente, urdida com uma competência e uma solidez inegáveis? A viagem ao passado até aos anos 80, tempos conturbados na Escócia? O mistério intrincado que queremos ver resolvido e que nos deixa intrigados e agarrados ao romance? Sim, tudo isso, mas acima de tudo o protagonista, Malcolm Fox.
Um policial precisa de um protagonista marcante que conquiste a nossa admiração ou empatia, e o Inspetor Fox preenche essas duas casinhas. Mas não se fica por aí. Ian Rankin constrói uma personagem extremamente sólida e profunda, diferente de Rebus, que os fãs do autor tão bem conhecem, mas não menos interessante. É uma personagem à qual está associada uma tensão permanente devido ao departamento em que trabalha; pertencer aos Assuntos Internos envolve, necessariamente, ser detestado e desprezado. Há igualmente a ideia de que as investigações conduzidas por Fox, além de apenas prejudicarem os colegas de profissão, não são trabalho policial sério e producente.
Unido à sua vida pessoal, todo este cenário contribui para que Fox seja um protagonista complexo e interessante. Não é o estereótipo do polícia destroçado e autodestrutivo a que tantos recorrem, não é o homem exagerado, desbocado, suicida ou descontrolado que surge em tantos policiais e que nos faz pensar: «Como é possível fazer uma série de livros com uma personagem que, se formos realistas, devia ter morrido ou sido internado logo no primeiro?» Talvez seja aí que resida o verdadeiro encanto de Fox: é ponderado, tem dúvidas, é corajoso mas não demasiado destemido, tem os seus problemas pessoais mas faz por resolvê-los de uma forma equilibrada. Esta normalidade torna-o mais próximo dos meros mortais e, apesar de ter qualidades que o distinguem e que fazem dele um inspetor sagaz e digno de protagonizar um romance, é mais credível do que muitos outros.
E, se aliarmos esta personagem tão bem construída ao tal fator de lume brando, temos um romance que agarra o leitor e que oferece uma leitura compulsiva. O facto de a história se desenvolver a um passo menos acelerado cria uma tensão crescente e alimenta a curiosidade do leitor, que se estenderá até ao emocionante desfecho.
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