Entre os anos 70 e início dos anos 80, Nova Iorque foi palco de um turbulento combate que decorreu longe dos holofotes. Num canto as autoridades da cidade, no outro a máfia. Cada ronda arrastou-se por vários anos e, por entre socos, pontapés e arranhadelas, a máfia foi ganhando terreno. A vitória parecia sorrir aos criminosos, mas as autoridades tinham um trunfo na manga.
“A Cidade do Medo: Nova Iorque Contra a Máfia” é uma mini-série documental da Netflix, que conta a história da ascensão, época dourada e brusca queda das poderosas “famílias” que dominaram Nova Iorque. Outrora um pequeno grupo dedicado a burlas e extorsão, em finais dos anos 70 a máfia nova-iorquina tornara-se no maior grupo criminoso organizado dos Estados Unidos da América e controlava o cerne funcional e empresarial da cidade de Nova Iorque, desde sindicatos e serviços urbanos essenciais à indústria de construção. Através de uma investigação minuciosa, métodos tecnológicos e uma teia judicial adequada à conjuntura, a lei triunfou sobre o crime.
Sem esquecer o excelente tema de abertura, o apelo da série está na sua natureza documental e coerência narrativa. “A Cidade do Medo” é uma composta por três partes e nenhuma delas se torna enfadonha, graças ao seu passo acelerado e relatos convincentes. O espectador é convidado a examinar as curiosas escutas do processo contra o crime organizado, que eventualmente acabaram por ser decisivas em tribunal. Para além disso, é-nos apresentada uma variedade extraordinária de testemunhos de ambos os lados da barricada: há depoimentos de agentes do FBI, infiltrados e informadores, procuradores, advogados e ainda ex-mafiosos que, como reza a caricatura, soam a personagens gangster dos filmes de Scorsese — Hollywood não nos mentiu.
A nível visual o documentário é manifestamente pobre, o que se pode dever à escassez de arquivos em formato vídeo. Em jeito de compensação, surgem amiúde excertos de telejornal, anúncios televisivos da época e o eterno inimigo das séries documentais: a cena de reconstituição. Também por falta de material, os produtores decidiram ostentar fotografias de crimes sangrentos e cadáveres espatifados, o que faz com que a série não seja aconselhável a todos – não obstante o seu valor histórico e educativo.
“Tudo Bons Rapazes”, “O Padrinho”, “O Irlandês” e muitas outras pérolas do pequeno e grande ecrã já nos tinham dado a conhecer os meandros da actividade ilícita da máfia siciliana: a corrupção moral dos gangsters, a hierarquia, os conflitos internos e os dilemas de lealdade. Comparativamente, pouco sabíamos dos bastidores do lado da contenda, uma lacuna que “A Cidade do Medo” consegue colmatar. Esse é, aliás, o seu maior mérito: em contracorrente com a perspectiva da cultura popular, a série relata o combate entre a lei e a máfia pelos olhos das autoridades.
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