“O amor, é as bocas que se procuram, que se apoderam uma da outra, lábios que se mordem, um pouco de sangue, o pelo da barba dele que me irrita o queixo, as mãos dele que me agarram a cara, para eu não lhe escapar.
É o matagal do cabelo onde enfio os dedos, a firmeza da nuca, os meus braços que se fecham sobre ele, que o apertam, para estarmos mais juntos, para que não haja nenhum espaço entre nós.”
“Deixa-te de Mentiras” (Sextante, 2020) é história de amor entre dois rapazes adolescentes, onde a ternura, a inocência e a sensualidade explícita se cruzam numa linguagem simultaneamente exacta e intimista. Quem poderá esquecer o primeiro beijo? A descoberta dos afectos mais íntimos? São momentos que não se esquecem, quase sempre não ditos e guardados no maior dos segredos.
Uma manhã, o protagonista deste romance repara numa silhueta, grita o seu nome e decide: “Levanto-me à pressa para ir ter com o rapaz no passeio, pondo-lhe a mão no ombro, ele voltou-se. E é quase ele”. Neste momento, as recordações – a memória do final do ensino secundário, da adolescência, de um amor clandestino – são capazes de transformar a escrita em literatura, a dor em melancolia e, com as palavras mais elegantes e cuidadas, são partilhados com o leitor pensamentos, sensações e sentimentos nunca esquecidos sobre o crescimento, o abandono ou as escolhas tomadas, tudo pincelado com a justificação de, um dia, ter decidido ser romancista.
O maior e o mais íntimo dos segredos será agora revelado – ou tudo não passará antes de pura ficção, de uma mentira? No início do livro lê-se: “Desde a mais tenra infância, lembro-me agora, era uma coisa que deixava a minha mãe inquieta, dizia: deixa-te de mentiras, dizia mentiras em vez de histórias, é uma coisa que me ficou, por isso anos depois continuo, vou traçando hipóteses”; e, quase no final da narrativa, temos também isto: “Repito que nunca escrevo sobre a minha vida, que sou um romancista. Ele sorri: mais uma das suas mentiras, não é verdade? Sorrio sem resposta”.
O narrador joga com 0 leitor, oscilando entre a verdade e a mentira, entre o tom autobiográfico e a auto-ficção. A verdade e a não-verdade tornam-se insignificantes, transformando a leitura de “Deixa-te de Mentiras” num prazer genuíno, autêntico e verdadeiro.
Philippe Besson é um destacado romancista, dramaturgo e guionista francês, já com mais de vinte livros publicados, muitos deles traduzidos para várias línguas e adaptados ao cinema e ao teatro. “Deixa-te de Mentiras” foi considerado Melhor Livro LGBTQ da Oprah Magazine, seleccionado como Escolha do Editor pela New York Times Book Review e eleito o Melhor Romance Gay pela revista The Advocate. Venceu ainda o Prémio Maison de la Presse.
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