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Rua de Paris em Dia de Chuva, Isabel Rio Novo, Deus Me Livro, Crítica, Dom Quixote, D. Quixote
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“Rua de Paris em Dia de Chuva” | Isabel Rio Novo

Por Helena Coimbra · Em 13/07/2020

Isabel Rio Novo, que já nos tinha deliciado com a biografia de Agustina Bessa Luís, vem agora dar à estampa “Rua de Paris em Dia de Chuva” (D. Quixote, 2020), um extraordinário romance sobre a vida de Gustave Caillebotte, pintor francês milionário do Século XIX e grande mecenas de pintores impressionistas seus contemporâneos.

O título da obra é, justamente, o nome de um dos quadros mais famosos deste pintor, do ano de 1877, pintor que representava muitas cenas domésticas, familiares de interiores e figuras na paisagem de Yerres – mas que sobretudo foi autor de extraordinárias pinturas da cidade de Paris na época de Haussmann (arquitecto que recebeu instruções de Napoleão III, em 1853, para reconstruir a cidade com grandes avenidas e redes de esgoto).

A escritora, que assume um fascínio enorme pelo retratado (a isso se irá referir, durante o livro, por amizade), elabora um romance com detalhes magníficos, sustentado na biografia verídica do artista. Há um certo toque fantástico na obra e uma sobreposição inesgotável de locais e períodos temporais que se entrecruzam, fazendo recordar o processo criativo do interseccionismo (iniciado em Portugal em 1914 por Fernando Pessoa), caracterizado pelo cruzamento de planos e percepções. De facto, entre a autora – que assim se auto designa no livro – e o pintor, existe um leque infindável de intersecções e sensações, percepcionadas paralelamente pelo pintor, a autora e Helena, a professora de História de Arte que se torna uma personagem da obra pelas conversas que mantém com a autora.

A escritora refere a sua infância, sempre cotejada com a infância de Gustave Caillebotte, e refere biograficamente também alguns episódios da sua idade adulta (que morreu com a idade que a autora conta agora), em constante paralelismo com episódios da vida do pintor que a autora permanentemente “espreita”, perscruta, visualiza e “acompanha”, física e emocionalmente – mesmo com um século e meio de distância -, percorrendo “com ele” os mesmos espaços, a determinadas horas do dia, num interessante roteiro da cidade de Paris de 1800.

Rua de Paris em Dia de Chuva, Isabel Rio Novo, Deus Me Livro, Crítica, Dom Quixote, D. QuixotePara além da faceta fantástica da obra, realce para a forma como a autora ilustra a época, a cultura francesa, a pintura (especialmente os quadros deste pintor e as histórias que lhe subjazem), a vida quotidiana e o ambiente parisiense onde se moviam os pintores impressionistas, bem como o modo intransigente em como coloca o leitor nos ambientes de época – seja nas exposições que os impressionistas organizam, nos cafés frequentados pelos “intransigentes” (como o café Guerbois ou o café Nouvelle Athénes), nas próprias relações interpessoais de amizade ou nas expressões de desagrado entre eles.

São três planos que aqui se interseccionam: a detalhada biografia e os sentimentos íntimos de Gustave Caillebotte; a presença autobiográfica da autora (estes dois mundos surgem ligados em modo contínuo na obra); e o mundo fechado de uma mulher deprimida e professora de História de Arte, especialista da obra do pintor, que em encontros com a autora lhe vai libertando a conta-gotas – às vezes de forma exasperante para esta – informações importantes sobre a vida e o perfil psicológico de Gustave Caillebotte.

A escritora põe na boca de Helena uma frase que se mostra relevante na estrutura quase fantástica do livro – “Caillebotte e as suas pinturas chegaram até nós como um enigma. Mesmo adoptando uma visão realista, as suas telas apresentam uma atmosfera inquietante, como se nos dissessem que o quotidiano mais banal pode conter em si estranheza suficiente para abalar as nossas certezas” -, sendo também lúcida e tocante a forma como acaba por ilustrar um amor resgatado à linha do tempo: “(…) é por isso que vale a pena escrever livros, para poder conversar à distância com aqueles que amamos e que não são do nosso tempo. Que triste e pobre seria a vida se as nossas afeições estivessem limitadas àqueles com quem nos cruzamos realmente. Que longos nos pesariam os dias se aqueles que morreram antes de nós estivessem mesmo ausentes”.

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Helena Coimbra

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1 Commentário

  • Manuela comentou: 10/10/2020 at 17:01

    Acabei de ler o livro hoje.
    Adorei. Não conhecia a autora mas vou conhecer melhor.
    E fui procurar na net todos os quadros do pintor. São lindos!

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