Há legados e legados, e o que foi deixado a Christopher foi um daqueles a quem a humanidade deve estar muito agradecida. Foi graças a ele que, durante 47 anos – Christopher faleceu a 16 de Janeiro deste ano -, pusemos a vista em algumas obras fundamentais do pai, J.R.R. Tolkien, cujos cadernos a anotações deixados fizeram parecer a arca de Fernando Pessoa o cúmulo da arrumação.
Depois de ter dito, após a publicação de “Beren e Lúthien”, que presumivelmente aquele seria o seu último trabalho de uma longa série de edições de textos escritos pelo seu pai, Christian voltou atrás para nos brindar com uma despedida a preceito, intitulada “A Queda de Gondolin” (Planeta, 2019). Um livro que, segundo ele, permite compreender “de que modo a Terra Média se encaminhou para o fim da Primeira Idade, e como o entendimento do meu pai desta história que ele concebera se desenvolveu ao longo de muitos anos, até que, por fim, naquela que seria a sua forma mais apurada, soçobrou”.
Christian Tolkien revela aqui algumas curiosidades, como o facto de só a muito contragosto o pai ter cedido publicar “O Silmarillion” e “O Senhor dos Anéis” em separado, um conjunto que via como “uma longa Saga das Jóias e dos Anéis”. Aliás, a encomenda dos editores a Tolkien havia sido a de este escrever uma sequela de “O Hobbit”, tendo o autor decidido trocar-lhes as voltas com “O Senhor dos Anéis”, uma sequela mas de “O Silmarillion”.
O filho do mestre recua também no tempo para falar de A História da Idade Média, uma série de 12 volumes inexplicavelmente nunca publicada em Portugal, confidenciando que esta é, por vezes, algo difícil de seguir, uma vez que o objecto de estudo não foi estável, existindo ao longo do tempo de vida do autor e não como um livro impresso que não sofreu qualquer alteração suplementar.
Como símbolo das Idades, Christopher fala de Círdan, o Armador, que foi o portador de Narya, o Anel de Fogo, um dos Três Anéis dos Elfos, até o entregar em mão a Gandalf. Uma personagem que aparece, pela última vez, no último dia da Terceira Idade. Quando Elrond e Galadriel, acompanhados de Bilbo e de Frodo, viajaram até às portas dos Portos Cinzentos, onde Gandalf os esperava, Círdan, o Armador, “apareceu para saudá-los. Muito alto era ele, e tinha uma barba comprida, e era um homem velho e grisalho, embora os seus olhos fossem cristalinos como as estrelas; olhando para eles, fez uma vénia e disse: «Tudo agora está a postos.» Então Círdan levou-os até aos Portos, onde havia um barco branco…”.
Para além da história desta gloriosa queda, Christopher inclui ainda uma citação do Esboço da Mitologia, escrito pelo pai em 1926 – que fornece um retrato do mundo dos seus primórdios até à fundação de Gondolin -, bem como uma lista de nomes – onde desenvolve afirmações para lá do que o nome suscita, apresentando um conjunto de notas isoladas sobre tópicos variados “que podem ir desde a criação do mundo ao significado do nome Earendel e à Profecia de Mandos”.
Quanto à história propriamente dita, entram em cena dois grandes poderes do mundo: Morgoth, o derradeiro representante do mal, que embora ausente da história preside a uma vasta força militar da sua fortaleza de Angband; e Ulmo, o seu mais feroz opositor, que recebeu o nome de Senhor das Águas por dominar todos os mares, lagos e rios sob a abóbada celeste.
No centro de tudo está Gondolin, uma cidade deslumbrante e inacessível, construída e povoada pelos Elfos Noldorin que, morando em Valinor, a terra dos deuses, se revoltaram contra estes e fugiram para a Terra Média. De todos os inimigos de Turgon, rei de Gondolin, Morgoth é o que mais o teme e odeia, procurando em vão localizar a bela cidade secreta.
Esta edição, que aterrou nas livrarias com o selo da Planeta, chega em capa dura e acompanhada das belíssimas ilustrações de Alan Lee, que desenhou cada um dos contos de J.R.R. Tolkien. Um grande obrigado a Christopher Tolkien por ter feito do legado de seu pai a sua própria missão de vida.
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