No ano de 1982, Stephen King escreveu um guião para, em conjunto com o realizador George A. Romero, realizarem um filme inspirado em séries de banda desenhada norte-americanas clássicas da década de 50, tais como a Tales from the Crypt da EC Comics. A longa-metragem acabou por ver a luz do projector, tendo marcado a estreia de King como guionista — e, também, a sua segunda aparição como actor. Creepshow, que em Portugal foi apelidado de Contos de Terror, tornou-se rapidamente num filme de culto.
Nesse mesmo ano, King decidiu homenagear de forma mais gráfica a sua fonte de inspiração, tendo adaptado o seu guião para banda desenhada com as ilustrações de Bernie Wrightson – o co-criador do clássico Monstro do Pântano -, e uma capa desenhada por Jack Kamen, um dos autores da EC Comics. Em “Creepshow” (Planeta, 2019), que chegou no ano passado às livrarias portuguesas numa edição de coleccionador em capa dura com o selo da editora Planeta, reina por absoluto o humor negro, no regresso às histórias de banda desenhada marcadas pela controvérsia.
Eram tempos em que a banda desenhada era olhada, como escreve Ander Luque no prefácio, como “um pernicioso catalisador na juventude”. Basta pensar que, no ano de 1954, os mandamentos do Comics Code Authority – da responsabilidade da Comics Magazine Association of America – tinham preciosidades como estas: “Nenhuma revista de banda desenhada empregará a palavra horror ou terror no título”; “Todas as ilustrações assustadoras, desagradáveis ou terríveis serão eliminadas”; “Estão proibidas as cenas ou instrumentos associados aos mortos-vivos, tortura, vampiros, espíritos, canibalismo e licantropia”. Um código que, pasme-se, só foi definitivamente extinto em 2010, já depois de algumas editoras o terem abandonado e decidido criar uma classificação própria.
São cinco as histórias presentes neste volume, todas elas comentadas e narradas pela Aberração, uma versão da morte vestida com as cores brasileiras e dotada de um sentido de humor bem negro. Histórias que, se tivessem passado pelo crivo de Frederic Wertham – um dos catalisadores e piores censores da história dos comics americanos dos anos 50 -, seriam vistas – e bem – como um lugar onde os homens afirmam a sua posição pela violência e as mulheres ficam limitadas ao interesse amoroso, recordando a trindade do chicote Nietzschiano: força, violência e assassínio. Porém, e à luz do que aconteceu recentemente com o “aniquilamento” da série “Little Britain” pela BBC – ou a suspensão temporária pela HBO americana do filme “E Tudo o Vento Levou” -, a censura nunca poderá ser justificada. No limite, como escreve Ander Luque no posfácio, obrigará a “uma reflexão moderna sobre as sombras mais obscuras do passado”.
Father`s Day apresenta-nos à família Grantham, “pessoas capazes de roubar doces a um bebé, depois guarnecê-los com arsénico e dá-los ao cão”. Bedelia chega a casa para prestar o seu respeito anual pelo pai, que muitos dizem ter sido morto por ela com a ajuda de um cinzeiro verde. Uma história com um fim retorcido que fará com que nunca mais desejemos feliz do dia do pai da mesma forma.
The Lonesome Death of Jordy Verril conta a história de Jordy, um homem dos sete ofícios e mestre de nenhum deles. Alguém que acaba por ser bafejado pela fortuna à pala de um meteorito, mas que mostra pouco jeito para cuidar dela.
Em The Crate, uma moeda atirada ao ar na cave da Mansão Amberson, o edifício de Ciências no campus da Universidade de de Horlicks, resulta na descoberta de um baú com o espírito reverso da lâmpada mágica de Aladino.
Something to Tide You Over é Sexo, Mentiras e Vídeo em versão creepy, onde um marido enganado quer chegar a uma forma de punição exemplar.
A finalizar temos They`re Creeping Up On You, que nos leva numa visita guiada ao apartamento austero, vazio e anti-séptico de Upson Pratt,um velho cujo forte é a limpeza – e que mostra uma aversão extrema a insectos. Para ler durante o dia – isto apenas se quiserem evitar pesadelos.
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