Para aqueles que estiverem num estado de paranóia motivado por um tal de Corona, a leitura de “O Homem Vazio” (G. Floy, 2018) será como que um vai ou racha civilizacional: ou se barricam em casa de vez, incapazes de lidar com a turbulência e doença do mundo, ou verão que ao pé da bicheza que mora nestas páginas o Covid até que nem é um mau vírus, desde que tomadas algumas precauções e mantidas as devidas distâncias.
No centro da narrativa está aquilo que ficou conhecido como a doença do Homem Vazio, para a qual nenhuma droga, medicamento ou mezinha conseguiu encontrar a cura ou pelo menos um adormecimento. De causas desconhecidas, a doença tem um largo espectro de manifestações: raiva, alucinações e demência suicida, a que normalmente se segue a morte um estado quase vegetal – daí ser chamado de “vazio”.
Quando na América começam a surgir, um pouco por toda a parte, cultos homicidas, o FBI e o CDC entram em cena numa investigação conjunta, tentando travar o culto e, ao mesmo tempo, encontrar uma cura para esta doença que mete o Covid debaixo do braço. Para além de não se perceber bem a forma de transmissão, apenas que parece afectar pessoas com algum grau de potencialidade extra-sensorial, envolve também uma quantidade absurda de sangue.
A dupla que comanda as operações é constituída por Walter, o narrador desta história, e da sua parceira e agente especial Jensen, que começam por investigar a morte de um casal e o desparecimento dos filhos destes, que poderá estar ligado a um dos muitos cultos. Da equipa faz também parte Owen Marsh, que segundo Walter é “uma mistura de patologista forense, virólogo, ocultista e maluco por conspirações”.
No centro de toda esta pandemia estão também o Reverendo Markoff, que cinco anos atrás fez nascer uma igreja numa antiga gasolineira, com direito a transmissões televisivas em directo onde se curam pessoas, e um grupo conhecido como Os Testemunhos, um culto levado a cabo por aqueles que sentem ter sido deixados de fora – e que por isso levam “aqueles que viram a verdade”.
Cullen Bunn, autor de Harrow County e Deadpool Mata Universo Marvel, serve aqui uma novela gráfica que cruza a demanda policial com o sobressalto do terror, numa visão do mundo que, apesar do exagero, serve como uma distopia da qual já estivemos mais longe. O ponto final, um pouco ao estilo da forma como foi embrulhada a série The Sopranos, transforma o leitor em argumentista, decidindo com que fios se irá cozer o destino do mundo.
As ilustrações de Vanesa R. Del Rey, quase sempre partindo e tendo como pano de fundo o negro, captam de forma sublime o estado pandémico criado por Cullen, lançando o leitor numa viagem bizarra e, ao mesmo tempo, com algum sentido de familiaridade. Afinal, como se pode ler a certa altura, “estamos todos um bocadinho doentes”.
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