O filósofo Slavoj Žižek contou uma vez que, na América profunda, assistiu a uma conversa entre um nativo americano e um liberal branco: “Não permita que lhe chamem “Índio”, não vê que isso é ofensivo para si? É nativo-americano que se diz”, dizia o liberal. “Prefiro o termo “Índio”, terá respondido o interlocutor. “Pelo menos é um monumento à estupidez do homem branco que, pensando que estava na Índia, estava na América”.
A história aparece nas páginas de “Sobre o Politicamente Correcto” (Objectiva, 2020), livro de Manuel Monteiro, revisor linguístico e autor do “Dicionário de Erros Frequentes da Língua” e do “Por Amor à Língua”. Revela uma das muitas contradições deste movimento: a tentação do paternalismo, de dizer “eu sei o que é melhor para ti”, porque muitas destas questões sobre como nomear uma determinada minoria nem sequer partem dessa minoria.
Manuel Monteiro define o Politicamente Correcto como a substituição de determinadas expressões, marcadas por um tom discriminatório por outras mais livres desses valores ideológicos.
O livro não põe em causa o facto de que vivemos numa sociedade racista, machista e homofóbica e, nesse sentido, propõe uma distinção importante: há aqueles que, como Bolsonaro, Trump ou André Ventura, se dizem contra o politicamente correcto como capa para fazer afirmações racistas e xenófobas; pode, no entanto, ser-se contra o policiamento da linguagem sem se acreditar nessas ideologias retrógradas.
O autor escreve, também, sobre a tentação de modificar as obras de arte para as adaptar ao actual pensamento dominante. No sistema educativo americano, a prática está hoje em dia generalizada – por exemplo, os livros de Mark Twain, reconhecido defensor da igualdade, são censurados por conterem a palavra nigger, apesar de terem sido escritos numa época em que o termo era comum.
Também os eufemismos podem ser uma forma de censura – pretendem ser respeitosos, mas muitas vezes resvalam para a condescendência. Podem ser claros, mas muitas vezes serão “abstractos, imprecisos e opacos”. Já não há “cegos”, mas “invisuais”, não há “velhos” e sim “idosos”. Essa preocupação, especialmente quando não parte dos visados, revela uma linguagem defensiva por trás da qual se esconde o pensamento de que a pessoa tem algo de vergonhoso; uma ideia de “coitadinho, ele é menor do que nós”, sentimento inimigo da relação de igualdade que se pretende.
Retiramos destas páginas o conceito de que o Politicamente Correcto é um impulso que não deixa espaço para matizes, contexto, expressões faciais, natureza das relações – uma formatação de pensamento simplista, que diaboliza por decreto as expressões, sem abarcar as complexidades inerentes à comunicação humana.
A liberdade de expressão surge também como tema adjacente: o autor defende que a verdadeira forma de liberdade de expressão é para as pessoas que dizem coisas com as quais não concordamos, que achamos estúpidas, infames ou até perigosas. Defende que, fora dos limites da lei, essas pessoas não devem ser censuradas ou silenciadas, mas derrotadas com argumentos. É essa a natureza de uma sociedade verdadeiramente livre.
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