O que acontece quando um romancista decide, a certa altura, mudar de rota e escrever um daqueles policiais volumosos, alimentados com linhas temporais alternadas, amores impossíveis e homicídios mal resolvidos, que regressam para virar tudo – e quase todos – de pantanas?
No caso de João Tordo aconteceu “A Noite em que o Verão Acabou” (Companhia das Letras, 2019), um thriller que se lê de um fôlego e que mostra que o escritor português fez e bem o trabalho de casa, num mergulho na literatura policial onde permanece visível, mesmo que de forma mais ténue, a instalação de uma certa tristeza do protagonista, que move o leitor da escuridão para a luz e o faz reencontrar a felicidade após um ajuste de contas.
Tudo começa no Verão de 1987, quando o adolescente Pedro Taborda se apaixona por Laura Walsh, a filha mais velha de um milionário nova-iorquino. Um amor que, no seu ponto mais alto, se poderia transformar numa amizade colorida, uma vez que os mundos de ambos são bem diferentes – e não apenas no plano material. As duas famílias acabam por se aproximar como manda a boa vizinhança, mas mostram estar nos antípodas sociais e culturais. Quando o Verão termina, os Walsh fazem as malas e regressam a terras de Tio Sam, para nunca mais voltarem ao Algarve.
Dez anos depois, com o desejo de se tornar escritor, Taborda viaja para a América. Fascinado pela escrita de Gary List, um antigo prodígio das letras que pretende ter no papel de mentor, vai estudar para Nova Iorque, onde acaba por reencontrar Laura num acaso que, não muito tempo depois, irá coincidir com o homicídio de Noah Walsh, o pai de Laura.
João Tordo move-se habilmente entre estes dois intervalos temporais, acrescentando-lhe ainda o do tempo presente, numa história ritmada e viciante. Uma história que, como quase todas as histórias, nasce da mesma necessidade de mentir, girando em torno do ponto de vista criminal avançado a certa altura por Gary List: “Só há três razões para cometer um crime: sexo, ambição e inveja”. Cinco estrelas.
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