Se olharmos para a capa de um livro que ostente o título “Estamos todos na sarjeta com João e Rui” (Kalandraka, 2019), ainda que apenas na lombada, estaremos longe de imaginar que se trata de um livro para os mais novos. Porém, se atirarmos com o nome de Maurice Sendak para cima da mesa, então o caso muda de figura. Afinal, trata-se de uma espécie de enfant terrible do universo literário infanto-juvenil que, graças à Kalandraka, tem visto chegar grande parte da sua obra às livrarias portuguesas.
Esta obra, publicada originalmente nos Estados Unidos em 1993, é tida como um dos livros mais pessoais de Sendak, uma vez que aborda, sempre nas entrelinhas e com alguma camuflagem, a homossexualidade – Sendak era homossexual -, o Holocausto – Sendak era filho de judeus emigrados – e a sociedade americana dos anos 90 – do qual Sendak não era particularmente fã.
Nesta aventura algo tresloucada, uma criança sem-abrigo é raptada por ratazanas gigantes de olhos amarelos, cabendo ao João e ao Rui a missão de salvamento. Rapazes que, no auge da sua ingenuidade, acabam por ser enganados ao jogo, vendo a pobre criança ser conduzida ao Forno e Orfanato de S. Paulo. Ainda que marcado pela complexidade e por várias nuvens negras, Sendak confere alguma esperança a este livro que, mais do que para crianças, se destina a – como o próprio gostava de definir a sua obra – leitores.
Cada uma das páginas apresenta o toque de Sendak, sempre com fundos carregados e cheios de pormenores, por onde se passeiam personagens com um certo ar sádico – aquelas ratazanas poderiam bem ser personagens de séries como The Sopranos ou Peaky Blinders. Para ler e colocar naquela prateleira dedicada a Maurice Sendak.
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